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Revista TecnoAlimentar

"A segurança alimentar é responsabilidade de todos" entrevista a Filipa Melo de Vasconcelos, subinspetora geral da ASAE

Na sequência do sucesso dos últimos dois anos, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) e os seus parceiros nos Estados-Membros da UE lançam a terceira edição da campanha #EUChooseSafeFood. A #EUChooseSafeFood visa ajudar os cidadãos europeus a tomar decisões informadas sobre as suas escolhas alimentares. Em 2023, a campanha será a maior de sempre, expandindo-se de modo a incluir 16 países. Em entrevista, Filipa Melo de Vasconcelos, subinspetora geral da ASAE, respondeu a várias questões sobre a temática da segurança alimentar.  

TecnoAlimentar: De que forma é importante garantir a higiene alimentar?

Filipa de Melo Vasconcelos: A higiene alimentar é uma pedra angular para garantir sucesso na prevenção de doenças transmitidas pelos alimentos. Para tal, importa destacar os pilares básicos para uma alimentação segura evitando eventuais contaminações por mau manuseamento ou acondicionamento indevido de alimentos. Destacam-se assim:

A higiene pessoal e todos os procedimentos de limpeza e desinfeção de espaços e equipamentos; o armazenamento seguro dos alimentos com separação de alimentos crus de cozinhados, assim como temperaturas adequadas de confecção e de acondicionamento; a utilização de água e matérias-primas seguros, controlando ingredientes alergénios, e, por fim, mas não menos importante, a importância na verificação de datas de validade, acautelando o consumo em segurança, e permitindo ainda combater o desperdício alimentar na correcta estiva dos alimentos.

Em resumo,  garante-se a higiene alimentar adoptando a política dos 4C’s: Cleaning. Cooking. Chilling. Cross-contamination.

TA: Como podem as empresas garantir a higiene na produção dos alimentos?

FMV: A segurança alimentar é responsabilidade de todos, como n/ recordam um dos motes do Dia Mundial da Segurança Alimentar, celebrado a cada dia 7 de junho - Food safety is everyone’s business!  E, esta responsabilidade é partilhada entre autoridades competentes, produtores e consumidores, para garantir que os alimentos que consumimos são seguros e para reduzir as doenças de origem alimentar que prejudicam a  saúde da população. Se não é seguro, não é alimento!

As empresas além dos guias de boas práticas de fabrico, podem garantir a higiene na produção de alimentos seguindo práticas rigorosas de segurança alimentar, respeitando a regulamentação, os normativos e as diretrizes estabelecidas pelas autoridades competentes. Destacam-se, assim: a implementação de sistemas de controlo baseado nos princípios do HACCP, desde logo com a formação dos colaboradores para que a higiene seja regra base dos manipuladores e em todos os seus procedimentos, sempre numa perspectiva de melhoria contínua.

A manutenção de registos de todas as etapas do ciclo de vida dos seus produtos, assegurando uma efetiva Rastreabilidade do prado ao prato. A implementação de procedimentos rigorosos de controlo de qualidade e de verificação de segurança e conformidade dos produtos alimentares antes de serem colocados no mercado;

O acondicionamento adequado através dos materiais para o transporte ou transformação de alimentos, materiais para embalagens, loiça e utensílios de cozinha que protejam os alimentos de contaminação externa e garantam a integridade do produto até o consumidor final; e, muito importante também, assegurar a transparência na comunicação com os consumidores, informando-os sobre os ingredientes, a origem e os procedimentos de segurança adotados na produção dos alimentos.

TA: Quais os principais contaminantes alimentares que as empresas têm de ter em atenção? Como podem minimizá-los?

FMV: As empresas da área alimentar devem salvaguardar a qualidade e segurança dos géneros alimentícios, implementando procedimentos de monitorização para evitar a ocorrência de contaminantes diversos. Sejam microorganismos patogénicos como bactérias, vírus, parasitas, micotoxinas e toxinas vegetais; sejam metais pesados como chumbo, mercúrio, cádmio ou estanho; alergénios como leite de vaca, ovo, amendoim e frutos de casca rija, peixe, marisco, trigo, soja, glúten e sésamo, poluentes orgânicos persistentes halogenados (dioxinas, etc), resíduos de pesticidas e contaminantes resultantes da transformação (PAH’s, acrilamida, etc.).

Contudo, poderão ser minimizadas contaminações diversas, através de: Boas práticas agrícolas e no processamento industrial, e no controlo dos pontos críticos; Garantir a adequada refrigeração e armazenamento dos alimentos; Realização análises microbiológicas e/ou físico-químicas regulares; Implementação de procedimentos para evitar contaminações cruzadas; Aplicação de tratamentos térmicos adequados quando necessário; Garantia do uso adequado de aditivos alimentares, respeitando o quadro legal e os seus limites e, no final, utilização de materiais de acondicionamento adequados para contato com os géneros alimentícios.

TA: Como os padrões de consumo da sociedade têm impacto no desperdício alimentar?

FMV: O desperdício alimentar ocorre em todas as fases da cadeia alimentar, desde a produção até ao consumidor final, sendo os padrões de consumo um importante factor, dentro dos vários implicados nesta ineficiência global. Há ainda muito espaço para melhorar a literacia alimentar com formação e disponibilização de informação clara e concisa, uma vez 1/3 do que se produz mundialmente é desperdiçado e deste, cerca de 1/3, ocorre em nossas próprias casas!

O desperdício consubstancia-se no desaproveitamento de alimentos antes do limite para o consumo final e acontece por motivações diversas. Seja por deterioração dos géneros alimentícios, por más práticas de acondicionamento, excesso de produção, ou ainda, por rejeição por parte dos produtores, grossistas ou retalhistas por falta de adequação aos calibres ou requisitos estéticos. Acresce o descarte alimentar pelos consumidores e ainda supermercados, hipers ou restauração que, por compras por impulso, desfasadas do real consumo verificado ou má estiva de armazenamento e stockagem, ou ainda, por aproximação ao fim do prazo, levar a que os alimentos não chegam a ser consumidos acabando no fim por serem desaproveitados.

Daí que, a actual campanha #EUChooseSafeFood 3.0 continuar a visar a capacitação dos consumidores para distinguir por exemplo a data-limite de consumo da data de durabilidade mínima ser muito importante.

TA: As empresas produtoras estão cada vez mais conscientes dos riscos de contaminação? Quais os principais desafios que se têm deparado?

FMV: Hoje é claro e todos observamos que as empresas produtoras, de uma forma geral, têm trabalhado para maior consciencialização neste âmbito e para a melhoria das boas práticas de segurança alimentar no sentido de fazer face aos desafios de reduzir os riscos de contaminação. Sendo o mundo cada vez mais interconectado e multidimensional, poderemos destacar, entre outros, e a par das alterações climáticas, da crise de biodiversidade e respectivos impactos: a multiplicidade de variáveis e tipologia de fontes de contaminação, como já referido antes. Mas também, o flagelo da resistência a antimicrobianos pelo uso desenfreado de antibióticos na produção agro-pecuária. Naturalmente, tudo decorrente da maior complexidade das cadeias de abastecimento fruto dos processos de integração económica e da globalização, o que traz o instituto da Rastreabilidade para um nível de cada vez maior importância,  encontrando melhor suporte por via da maior transição digital e da inovação acautelando-se sistemas de segurança alimentar globais e integrados em toda a cadeia alimentar.

TA: As doenças zoonóticas estão cada vez mais presentes. De que forma as empresas do setor transformador agroalimentar se podem salvaguardar? E os consumidores?

FMV: As doenças zoonóticas representam uma preocupação crescente devido ao aumento da interação entre as populações humanas, animais domésticos e selvagens, bem como às práticas agrícolas e de produção de alimentos.

E de facto, reitera-se a importância de medidas de salvaguarda dos operadores do setor agro-alimentar, ao nível do cumprimento rigoroso das boas práticas de higiene alimentar durante a produção, processamento e embalagem de alimentos. Devem os operadores económicos privilegiar a monitorização veterinária, o controlo de vectores de transmissão e mais uma vez o uso responsável de antibióticos, assim como, a garantia de efectiva rastreabilidade ao longo da cadeia alimentar, permitindo eficazmente identificar a origem de qualquer contaminação e se necessário a competente retirada do mercado de qualquer produto não seguro.

Por outro lado, quanto aos consumidores, a regra básica de garantir a Higiene pessoal, não sendo nunca demais sinalizar a importância da lavagem das mãos frequentemente, em particular antes das refeições, na sua confecção e sempre após o manuseamento de alimentos crus.

Naturalmente, importa cozinhar os alimentos completamente, adoptar praticas que evitem contaminação cruzada, além da escolha de alimentos provenientes de fontes confiáveis, verificando ainda as datas de validade. Estas abordagens colaborativas e adoptadas por todos os intervenientes, podem ajudar a reduzir o risco de consumirmos alimentos contaminados.

Por fim, dar nota que a literacia alimentar também passa por alertar que quem tem animais de companhia, deve garantir as vacinas em dia, uma vez que estes animais podem representar vetor de doença.

TA: Uma empresa transformadora de produtos alergénios, que desafios enfrenta, nos dias de hoje?

FMV: A informação sobre alergénios nos géneros alimentícios é obrigatória para os operadores económicos do sector alimentar, devendo estes declará-los como ingredientes dos seus alimentos, caso estejam presentes (são 14 os alergénios de declaração obrigatória cfr a regulamentação).

Os desafios são vários e dinâmicos, exigindo inovação, investigação e desenvolvimento em toda a cadeia de valor dos produtos mitigando os riscos de contaminações cruzadas. Também ao nível da regulamentação e exigências na rotulagem; a maior capacitação dos consumidores quanto a alergias e intolerâncias e tendências de consumo na dieta alimentar que levam a diferentes opções (opções vegan, sem glúten e sem lactose,…)  gerando nichos de mercado e novas dinâmicas de concorrência e de consumo.

A campanha #EUChooseSafeFood destina-se a ajudar os cidadãos a pensar de forma crítica sobre as escolhas que fazem diariamente em matéria alimentar. Fornece informações práticas e de fácil acesso aos consumidores, desde ajuda para ler os rótulos dos alimentos e compreender os aditivos, até conselhos sobre a preparação e o armazenamento dos alimentos. A campanha abrange muitos temas relacionados com a alimentação e, este ano, incidirá em sugestões que os consumidores podem seguir para garantir uma boa higiene alimentar em casa, como reduzir o desperdício alimentar e o que está a ser feito em toda a UE para combater as doenças de origem alimentar.