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Revista TecnoAlimentar

Aquicultura em Portugal: um Setor em Crescimento

O pescado é um dos produtos alimentares mais comercializados a nível mundial, tendo a sua produção aumentado significativamente nos últimos anos. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), a produção deste género alimentício atingiu, em 2012, 158 milhões de toneladas, o equivalente a um consumo mundial per capita de 19,2 kg/ano.

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Por: Adriana Moura1 e Cristina Martins2

Da produção mundial, aproximadamente 91,3 milhões de toneladas resultaram da pesca extrativa, um valor que se mantém estável há vários anos. Este cenário é contrário ao da produção em aquicultura, um setor que tem crescido a uma taxa anual de 6,2 por cento ao ano, tendo sido produzidos, no ano 2000, cerca de 50 milhões de toneladas e, em 2012, 66,6 milhões de toneladas. Atualmente, são criadas aproximadamente cem espécies aquícolas e a China é tida como o maior país produtor mundial, com uma produção que ascende aos 40 milhões de toneladas (FAO, 2014).

No que respeita à produção nacional, e de acordo com dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), o setor da aquicultura registou as mesmas tendências e atingiu, em 2012, cerca de 10 300 toneladas, o equivalente a 54 milhões de euros. O principal destino da produção é o mercado interno, tendo sido alvo de exportação, aproximadamente, 4 300 toneladas do pescado produzido nestas condições (INE, 2014).

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Segundo dados oficiais do INE, em 2012, encontravam-se licenciados 1492 estabelecimentos, dos quais 7 correspondem a unidades de reprodução e 1485 a unidades de crescimento e engorda que, por sua vez, podem ser divididos nas seguintes tipologias: viveiros, tanques e estruturas flutuantes (como, por exemplo, jaulas ou long-lines). Os viveiros representavam 91 por cento destas estruturas, a maioria localizada na Ria Formosa, para a produção de moluscos bivalves, onde a amêijoa assume especial importância (INE, 2014).

A ministra da Agricultura e do Mar, Assunção Cristas referiu, numa entrevista à revista “SGS Global”, que já existem 72 novas áreas para a produção em aquicultura, atualmente em processo de consulta pública, divididas entre a região de Aveiro (40) e a do Algarve (32).

Métodos de produção

A aquicultura pode assumir diversas formas (extensiva, intensiva ou semi-intensiva), cuja classificação tem por base os níveis de controlo da produção e a necessidade de fornecimento de rações e suplementos alimentares. Na criação em regime extensivo e semi-intensivo não há interferência do ser humano no ambiente onde as espécies se desenvolvem. A principal diferença reside no facto de os animais que se encontram em regime extensivo terem por base uma alimentação exclusivamente natural, enquanto, no da aquicultura semi-intensiva, as espécies serem alimentadas com suplementos artificiais, embora também consumam o alimento naturalmente presente no meio ambiente. Contrariamente a estas duas práticas, nas explorações em regime intensivo, o Homem tem controlo sob as condições de criação de forma a maxi maximizar a produção e com recurso a alimentação exclusivamente artificial (FAO, 2008).

Os diferentes regimes de produção aquícola podem ter lugar em ambientes distintos: em águas marinhas/salobras e em águas doces. De acordo com os dados do INE, em 2012, a produção em águas salobras e marinhas representava cerca de 95,4 por cento da produção nacional, sendo que 57,3 por cento correspondem à produção de pescado, maioritariamente dourada e pregado, e 38 por cento à produção de moluscos bivalves (INE, 2014).

(Des)vantagens do setor

Existem muitas controvérsias no que diz respeito às vantagens e desvantagens da produção aquícola. Alguns autores apontam o regime alimentar das diferentes espécies de pescado como um dos maiores problemas associados a esta prática, uma vez que os peixes são alimentados com rações à base de farinha e óleo de peixe. Estas matérias-primas são obtidas a partir de peças inteiras, resíduos e outros subprodutos de pescado e, segundo um relatório da FAO, em 2012, foram utilizadas para este fim cerca de 21,7 milhões de toneladas de pescado. Importa ainda salientar que alguns artigos referem que são necessários, por exemplo, 3 kg de ração para produzir 1 kg de peixe.

Desta forma, o processamento de farinhas ricas em proteínas e óleo de peixe não é sustentável e contribui para o aumento da pressão já exercida sobre as comunidades piscícolas. De acordo com o mesmo relatório, estimava-se que, em 2011, aproximadamente 28,8 por cento dos stocks mundiais de pescado já se encontrassem sobre-explorados e 61,3 por cento estivessem perto da sua capacidade máxima.

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As capturas a níveis insustentáveis não têm apenas consequências para o meio ambiente, mas também afetam as comunidades piscatórias que dela dependem (Miller & Spoolman, 2014; FAO, 2014).

Outros potenciais impactos da produção aquícola ocorrem devido, por exemplo, à existência de águas com elevadas concentrações de matéria orgânica, azoto amoniacal, nitratos e fosfatos, e à presença de produtos químicos, sólidos suspensos e microrganismos patogénicos (Fonte & Gamito, 2011).

Por outro lado, também se apontam claramente benefícios para este modo de produção, tais como o aumento significativo da produção de diferentes espécies de pescado, o aumento do controlo da produção, permitindo rastrear o produto desde a sua origem e relacioná-lo com todo o seu historial de produção, bem como o desenvolvimento da economia nacional e local e a criação de novos postos de trabalho.

Potencial do setor aquícola português

Portugal é um dos países que mais pescado consomem, registando um consumo médio per capita que já ultrapassa os 60 kg/ano, um valor que se encontra bastante acima do valor médio mundial (19,2 kg/ano) (FAO, 2014). Para dar resposta a esta procura, Portugal vê-se obrigado a importar a maioria do pescado consumido pela população portuguesa, afetando negativamente a balança comercial dos produtos da pesca, que apresenta um saldo deficitário num total de 641 milhões de euros (INE, 2014).

Na conjuntura mundial, em que existem cada vez mais restrições à pesca extrativa, e com uma posição de excelência devido à sua localização geográfica, Portugal evidencia um enorme potencial por explorar no que diz respeito à produção aquícola.

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Apoios comunitários para o setor

O setor aquícola já é considerado como uma atividade estratégica para a economia nacional, tendo sido contemplado no PROMAR, o Programa Operacional Pesca 2007-2013, cofinanciado pelo Fundo Europeu das Pescas, com o objetivo de desenvolver os setores da pesca e da aquicultura, tornando-os mais sustentáveis. De acordo com a informação disponibilizada , entre 1 de janeiro de 2007 e 30 de junho de 2014, contabilizaram-se, no âmbito do PROMAR, 48 investimentos produtivos na aquicultura, num total que ascende os 10 milhões de euros (PROMAR, 2014).

Neste momento, Portugal submeteu à Comissão Europeia o Acordo de Parceria onde estão dispostas as intervenções, investimentos e as prioridades de financiamento para o desenvolvimento da economia portuguesa no período 2014-2020.

Este acordo de parceria abrange diversos programas e, face ao âmbito deste artigo, é dado especial destaque ao Programa Operacional para as Pescas e o Mar, cuja afetação de recursos ascende aos 392,5 milhões de euros. Este projeto é cofinanciado pelo Fundo Europeu para os Assuntos Marítimos e as Pescas (FEAMP) (Europeia, 2014).

 

Diferenciação dos produtos da pesca aquícolas

Modo de produção biológico

Ao longo dos últimos anos, tem-se vindo a assistir a uma crescente procura de produtos biológicos por parte dos consumidores. A apetência por estes produtos deve-se, em grande parte, a uma maior preocupação dos consumidores sobre a origem dos alimentos que consomem, bem como com os impactos negativos da sua produção no meio ambiente.

De forma a satisfazer as necessidades deste nicho de mercado, a produção aquícola biológica revela-se uma janela de oportunidades para os produtores portugueses.

O que é a aquicultura biológica? O Instituto Nacional de Recursos Biológicos define a aquicultura biológica como um modo de produção que procura o equilíbrio entre a natureza e a atividade humana, utilizando recursos naturais e renováveis, sem os destruir, de modo a produzir alimentos seguros, de alta qualidade, valorizados e aceites pelos consumidores informados (INRB & IPIMAR, 2010).

Esta prática é tecnicamente exigente: de acordo com a regulamentação comunitária, as espécies utilizadas devem ser de origem local de forma a não causarem danos nas populações selvagens e, atualmente, ao contrário do que se verificava em 2013, só é permitida a utilização de juvenis de maternidades e unidades de produção biológicas. No caso de moluscos bivalves é permitida a utilização de sementes selvagens recolhidas fora dos limites da unidade de produção, pelo que a utilização de sementes não biológicas segue os mesmos critérios dos juvenis anteriormente referidos (Regulamento (CE) N.º834/2007, 2007; Regulamento (CE) N.º710/2009, 2009).

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No que diz respeito à alimentação, esta deve ser preferencialmente adqui rida a empresas produtoras sustentáveis e, tendo em conta as várias fases de crescimento, devem satisfazer as necessidades nutricionais dos animais em questão. A utilização de hormonas e derivados de hormonas para fins reprodutivos é proibida e só se podem aplicar produtos para limpeza e desinfeção de equipamentos e instalações devidamente autorizados (Regulamento (CE) N.º710/2009, 2009). Importa ainda referir que a legislação comunitária impõe densidades máximas para determinadas espécies de pescado, de forma a reduzir a incidência de pragas e parasitas e a promover o bem-estar e saúde dos animais, é disso exemplo o caso da dourada, um dos principais produtos da aquicultura portuguesa e europeia, cuja densidade máxima é de 4 kg/m3 (Europeia, 2014; Regulamento (CE) N.º710/2009, 2009).

A SGS, organismo líder mundial em Certificação, é a primeira entidade acreditada segundo a norma NP EN 45011 pela Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural para o controlo da produção aquícola biológica de animais e algas marinhas, tendo concretizado a primeira certificação da Península Ibérica no Modo de Produção Biológico de mexilhão, no “Algarve Offshore Seashells”, na empresa Testa & Cunhas, SA. Este projeto, instalado em mar aberto, ao largo de Lagos, com apoio do PROMAR e licenciado desde 2013, utiliza um método de produção ambientalmente sustentável.

A certificação biológica obriga à utilização do logotipo da União Europeia nos produtos obtidos segundo este método de produção e podem ser utilizados logotipos nacionais ou privados em simultâneo. Nesse sentido, a SGS desenvolveu uma marca bilingue, o SGS Organic/biológico, que permite distinguir os produtos biológicos no mercado, acrescentando valor aos mesmos, e dando garantias aos clientes e consumidores de que os produtos cumprem com a regulamentação comunitária para a produção biológica. Estes fatores contribuirão para um maior reconhecimento internacional.

 

Sucesso em modo de produção biológico

A concessão “Algarve Offshore Seashells”, detida por Testa & Cunhas, SA, destina-se exclusivamente à produção de moluscos bivalves, e encontra-se em mar aberto (offshore), a 1 milha náutica da costa, entre a Ponta da Piedade e a Praia da Luz. Atualmente, a empresa dedica-se à produção biológica da espécie autóctone de mexilhão (Mytilus spp), recorrendo a estruturas suspensas na coluna de água (long-line), e esta tem como perspetiva futura iniciar também a produção de ostras, vieiras e amêijoas.

No que diz respeito à produção biológica do mexilhão, a cultura inicia-se com a recolha de sementes através de captação natural, utilizando coletores, e da apanha nas rochas e praias da costa portuguesa. Uma vez recolhida, procede-se à sua colocação e distribuição pelas cordas da unidade produtiva.

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As sementes são distribuídas ao redor das cordas manualmente ou com máquinas apropriadas, sendo envoltas numa rede de algodão biodegradável, o que permite a sua fixação à corda. A produção de moluscos bivalves é realizada em regime extensivo, uma vez que não é fornecido qualquer tipo de ração artificial. Estes animais alimentam-se de fitoplâncton e de matéria orgânica através da filtração de água do mar, havendo o risco de reter os contaminantes que se encontram no meio ambiente, como bactérias patogénicas, vírus, biotoxinas marinhas e metais pesados, principalmente chumbo e cádmio.

Assim, de forma a assegurar a segurança e qualidade do produto, são realizadas análises laboratoriais aos produtos, à água e aos sedimentos marinhos (Testa&Cunhas, 2013). Paralelamente, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) tem implementado um Plano de Ação Nacional para a monitorização de moluscos bivalves no que diz respeito a fitoplâncton produtor de toxinas marinhas, microrganismos patogénicos, metais pesados e biotoxinas marinhas (IPMA, 2013).

A colheita do mexilhão é realizada quando o peso de cada corda atingevalores entre 150 a 2500 kg, o que corresponde, normalmente, a tamanhos comerciais que variam entre 7 a 10 cm. Todas as operações são realizadas a bordo com o auxílio de uma grua e maquinaria apropriada, pelo que o mexilhão é removido e sujeito a uma triagem e primeira limpeza. Este é depois encaminhado para uma calibradora, onde é separado de acordo com o tamanho, e ensacado, sendo este procedimento permitido. O mexilhão, que não tiver atingido o tamanho ideal, é colocado novamente em cordas para terminar o seu crescimento (Testa&Cunhas, 2013).

António Miguel Cunha, administrador da empresa Testa & Cunhas, SA, prevê que, com as 5300 cordas que se encontram atualmente instaladas, a produção possa alcançar cerca de 700 a 1000 toneladas de mexilhão. A produção tem como principal destino mercados externos, nomeadamente França, Espanha e Irlanda (Santana, 2014).

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Perspetivas futuras

De acordo com um estudo publicado pela FAO, intitulado de “The State of World Fisheries and Aquaculture”, prevê-se que a produção de pescado ultrapasse, em 2030, os 187 milhões de toneladas, um aumento de, aproximadamente, 30 milhões de toneladas em relação ao que se verificou em 2012. Estes valores devem-se, essencialmente, ao aumento da produção aquícola, no entanto, a um ritmo de crescimento inferior ao que se tem verificado ao longo dos últimos anos. Para o mesmo período em estudo, e segundo a mesma entidade, perspetiva-se que o consumo deste género alimentício aumente, atingindo, em 2022, um consumo médio mundial per capita de 20,7 kg/ano, um valor que se encontra consideravelmente acima do valor atual, 19,2 kg/ano.

Face a estes dados, é possível afirmar que a produção de pescado em aquicultura será a única forma de suportar o aumento do consumo de pescado previsto, face ao declínio irreversível da pesca extrativa (FAO, 2014).

Atualmente, existem vários projetos que estão a ser desenvolvidos em Universidades Portuguesas, inclusive nas regiões da Madeira e dos Açores, alguns deles em colaboração com Instituições Privadas.

Os projetos nesta área visam potenciar uma prática aquícola que seja ambientalmente sustentável, desenvolvendo técnicas de reprodução, nutrição e crescimento de algumas espécies de interesse comercial.

Prevê-se, ainda, que a crescente procura destes produtos, por parte dos consumidores, estimule o mercado de produtos biológicos, fomentando a conversão da produção convencional para sistemas de aquicultura em modo de produção biológico.

 

Nota: Artigo publicado originalmente na Tecnoalimentar 1

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1Responsável Técnica – Organismo de Controlo da SGS (adriana.moura@sgs.com)

2Gestora de Projetos de Desenvolvimento e Inovação da SGS (cristina.martins@sgs.com)