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Revista TecnoAlimentar

Pimenta de Murta - Um ingrediente funcional

Ana Cristina Ramos1,2, Elsa M. Gonçalves1,2, Marta Abreu1,3

1Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV)

2GeoBioTec, Universidade Nova de Lisboa

3LEAF - Linking Landscape, Environment, Agriculture & Food, ISA - Universidade de Lisboa

 

INTRODUÇÃO

 

A murta Myrtus communis L., arbusto de folhas aromáticas e persistentes, é uma das mais importantes espécies aromáticas e medicinais da família da Murtaceae, usada desde a antiguidade (Atzei, 2003) pelas suas propriedades farmacológicas e pela diversificada aplicação culinária. Endémica da região mediterrânica e norte de África, apresenta uma ampla distribuição geográfica em Portugal, podendo ser naturalmente encontrada em zonas de mato e denominada, dependendo das regiões, por mirta, mirto, murta-cheirosa, murta-cultivada, murta-das-noivas, murta-do-jardim, murta-verdadeira, murteira, murtinheira, murtinheiro, murtinho e murto (Guilherme, 2013).

Da murta, muito usada como planta ornamental em sebes de jardins, as folhas, flores e frutos podem ser utilizados para diferentes fins, sendo-lhes atribuídas inúmeras propriedades terapêuticas (antibióticas, antissépticas, expetorantes, adstringentes e hemostáticas) (Serce et al., 2010).

Na culinária mediterrânica são conhecidos muitos exemplos da sua utilização, que exploram as suas características sensoriais peculiares, conferindo sabores, aromas e cor a diferentes produtos alimentares. São disso exemplos a confeção de doces a partir dos frutos, a utilização das folhas em substituição de especiarias, com vista a aromatizar pratos culinários, nomeadamente de carne de caça ou como tempero em azeitonas de conserva. As folhas e frutos inteiros são igualmente utilizados no fabrico de aguardente e licores, nomeadamente na produção das bebidas Mirto Rosso e Mirto Bianco, respetivamente, famosos na região da Sardenha (Messaoud et al., 2012). As flores podem ainda ser usadas em saladas ou em guarnições.

pimenta

O fruto, em termos botânicos, é classificado como uma baga, apresentando tonalidade azul-escura e caracterizado por um sabor/aroma ligeiramente cítrico e adocicado com elevada adstringência, facto que inviabiliza o seu consumo em fresco. Na composição nutricional do fruto salienta-se o teor fenólico, nomeadamente no que respeita ao perfil de flavonoides e taninos, que lhe confere uma elevada capacidade antioxidante destacando o interesse funcional/bioativo da sua utilização (Aleksic & Knezevic, 2014).

Nos contextos da proteção da biodiversidade e da valorização alimentar, a composição bioativa de interesse da planta e do fruto em particular, reforça o interesse na sua caracterização para consolidação de várias abordagens tecnológicas, nomeadamente como ingrediente para o desenvolvimento de novos produtos alimentares com potencial nutracêutico.

Este trabalho teve por objetivo efetuar uma avaliação preliminar da aptidão de frutos de murta, secos e moídos, como ingrediente alimentar funcional, tendo por base a respetiva capacidade bioativa, a que designámos “Pimenta de murta”.

METODOLOGIA

 

Os frutos de murta foram colhidos a partir de diferentes arbustos, num estado de maturação ideal para consumo. Após receção no laboratório, os frutos foram selecionados, eliminando-se as unidades danificadas ou irregulares, seguindo-se a respetiva lavagem em água corrente. Os frutos foram desidratados, em secador de ar forçado (velocidade média do ar de 1,5 m/s) à temperatura de 60 ºC, durante 24 horas. Após secagem, os frutos inteiros foram triturados até se obter um pó fino. As amostras foram, de seguida, acondicionadas em frascos de vidro, hermeticamente fechados, e conservadas a 24 ºC ao abrigo da luz. Amostras (triplicados) de frutos em fresco (Id: MF), de frutos após secagem no dia 0 (Id: T0) e ao longo da armazenagem: 30 dias (Id: T1); 60 dias (Id: T2) e 90 dias (Id T3) foram avaliadas face ao seguinte protocolo: teor de compostos fenólicos totais (CFT; método Folin-Ciocalteu, adaptado de Swain e Hillis, 1959) e atividade antioxidante (AOx; método DPPH adaptado de Arnao et al., 2001).

                  

RESULTADOS

 

Nas Figuras 4 e 5 são apresentados, respetivamente, os resultados médios de caracterização relativamente ao teor fenólico total (CFT; mg EAG.100 g-1 PF) e à atividade antioxidante (AOX; mmol TEAC.100 g-1), dos frutos em fresco (MF) e de frutos secos moídos (“pimenta de murta”), após secagem no dia 0 (T0) e, ao final de 30, 60 e 90 dias de armazenagem (T1, T2 e T3, respetivamente).

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FIGURA 4.      Teor de compostos fenólicos totais (CFT) (médias ± DP) avaliado nas amostras de murta em fresco (MF) e de murta seca e moída (“pimenta de murta”) logo após secagem (T0) e ao longo dos períodos de armazenagem de 30 dias (T1), 60 dias (T2) e 90 dias (T3).
FIGURA 5.      Atividade antioxidante (AOx) (médias ± DP) avaliada nas amostras de murta em fresco (MF) e de murta seca e moída (“pimenta de murta”) logo após secagem (T0) e ao longo dos períodos de armazenagem de 30 dias (T1), 60 dias (T2) e 90 dias (T3).

Os teores de CFT, caracterizados nos frutos em fresco, de ca de 628,4 ± 2,8 mg EAG.100g-1 PF refletem valores elevados quando comparados com resultados de caracterização de outros pequenos frutos (Tabela 1) (Soutinho, 2012).

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TABELA 1. Teores em compostos fenólicos totais (mg EAG.100g-1 PF) de vários frutos.

Por outro lado, os teores de AOx de ca de 684,4 ± 9,2 mmol TEAC 100 g-1 confirmam, de acordo com os resultados do estudo de Sedat et al. (2020), o interesse na utilização da murta, podendo constituir uma potencial nova fonte de antioxidantes naturais.

Acresce que a variação observada para os teores CFT e AOx, entre os frutos em fresco (MP) e os frutos secos e moídos (T0), de 2% e de 4%, respetivamente, traduz o efeito marginal da secagem na redução destes conteúdos. De igual maneira, a variação observada ao longo do período de armazenagem (3 meses) (CFT, 8%; AOx, 16%), permite concluir que a “pimenta de murta” conserva a capacidade antioxidante nas condições descritas.

CONCLUSÃO

 

Os resultados preliminares obtidos para a “pimenta de murta” permitiram concluir que os efeitos da operação de secagem (60 ºC/ 24 h) e da moagem não alteraram de forma expressiva a atividade antioxidante (CFT e AOx) face aos teores caracterizados no fruto em fresco. Por outro lado, a variação da atividade antioxidante ao longo de três meses de armazenagem à temperatura ambiente expressa indiretamente pela diminuição de CFT (de ca de 8%) e da AOx (de ca de 18%) apontam para a relativa estabilidade desta composição. A “pimenta de murta” constitui assim uma fonte de antioxidantes naturais que pode ser explorada como potencial ingrediente, quer como aditivo antioxidante, quer para prevenir a deterioração oxidativa, em vários sistemas alimentares. No entanto, a consolidação deste interesse terá de atender a uma caracterização mais detalhada do tipo de compostos fenólicos envolvidos (perfil fenólico), bem como incluir ainda a caracterização do perfil sensorial e a avaliação da estabilidade microbiológica deste produto, a desenvolver no futuro.

Nota de Redação:

Artigo publicado na edição n.º 27 da Revista TecnoAlimentar.

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