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Revista TecnoAlimentar

Entrevista Beatriz Oliveira «Os subprodutos estão a valorizar-se e é por aí que temos que ir»

 Sobejamente conhecida no setor científico a nível nacional pelo trabalho realizado na Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto (FFUP), Beatriz Oliveira é a entrevistada deste dossier dedicado aos Azeites e Óleos alimentares. Professora catedrática desde abril de 2020, Beatriz Oliveira construiu uma vida científica da qual se orgulha, onde cabem várias noções daquilo que são as futuras necessidades de investigação, nomeadamente na ótica da economia circular e na preservação ambiental.

Nos óleos e azeites é especialista reconhecida não só pelos relevantes trabalhos de investigação publicados em revistas internacionais, mas também no apoio a empresas desde as grandes líderes no nosso mercado, como PME, onde participou ativamente em projetos para otimização dos seus produtos e processos e na valorização de subprodutos.

TECNOALIMENTAR: Como foi o seu percurso profissional até chegar à Universidade?

BEATRIZ OLIVEIRA: Na altura do 25 de abril eu vim de Angola para o Porto, onde tinha familiares, e aqui fiz o meu 10.º, 11.º e o ano propedêutico. Quando tive de escolher o meu curso optei pela Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto (FFUP) que era na altura a que tinha mais reputação na área do alimento. Quando terminei o 4.º ano da Faculdade, no final do ano, fui convidada pela Professora Doutora Margarida Ferreira, do Serviço de Bromatologia, e fui contratada como monitora para apoiar as aulas laboratoriais. Quando terminei o curso de Ciências Farmacêuticas ingressei no referido Serviço como Assistente. E foram cerca de 30 anos a trabalhar em óleos e gorduras. A evolução na carreira foi acontecendo, com muito investimento pessoal e dedicação e finalmente, em abril, em plena pandemia, cheguei a Professora Catedrática. Atualmente sou diretora do curso de Mestrado em Controlo da Qualidade.

TA: E foi ao ser assistente que começou a fazer o doutoramento?

BO: Fui assistente, depois tive que fazer as provas pedagógicas, que correspondem agora ao Mestrado, e posteriormente tive que fazer o doutoramento, que concluí em três anos, os anos que me deram de despensa de serviço docente. A Professora Doutora Margarida Ferreira era fã dos óleos e gorduras e colocou-me a hipótese de trabalhar nessa área. Eu aceitei e comecei logo a trabalhar. Não só no doutoramento mas ao longo da vida académica, sendo esta área a linha mais vincada da minha carreira. Havia no Serviço um GC-FID (cromatógrafo gasoso) que era preciso por a trabalhar. Nessa altura a Assistente era a Dra. Maria das Dores, e ambas começámos a tarefa, que acabou por ficar comigo, com a saída da referida Dra. Maria das Dores. Em resultado do trabalho desenvolvido, comecei a determinar a composição em ácidos gordos, em óleos e gorduras.

Na altura as análises que se faziam desse parâmetro iam para França e eu comecei então a trabalhar com as maiores empresas do país nessa área – como a Sovena, com quem ainda mantemos relação – e foi a partir daí que conseguimos crescer em equipamentos no laboratório. Atualmente trabalhamos com outras empresas de fritura de fast food – a IberSol, por exemplo.

TA: Durante o seu doutoramento e através da colaboração com essas empresas, quais foram os alimentos com que mais trabalhou?

BO: No meu doutoramento foram essencialmente os óleos vegetais para fritura, onde analisava vários parâmetros de qualidade do óleo e a qualidade do produto frito. Analisava se o óleo era muito absorvido pelo alimento ou não, surgimento de odores estranhos, alterações físico-químicas nessas gorduras, entre muitos outros parâmetros importantes para o consumidor e para a indústria e restauração.

TA: Ao longo da sua vida foi continuando sempre a trabalhar em gorduras.

BO: Sim, continuamos a fazer estes estudos, porque uma das necessidades do mercado é responder às várias aplicações de fritura. Nesse caso a Sovena fazia muitas formulações e nós fazíamos o estudo dessas formulações de resistência à fritura. Usávamos esses óleos em fritadeiras semi-industriais ou caseiras, fazíamos diferentes estudos com diferentes parâmetros e víamos a resistência desses óleos à fritura. Neste momento estamos a fazer isso com outras empresas que nos procuram para, de certa forma, validarmos o controlo da qualidade dos seus produtos.

TA: Depois trabalhou também noutras áreas como o azeite, os frutos secos…

BO: Sim, temos trabalhado tudo o que seja controlo da qualidade e mais recentemente viramo-nos para os subprodutos, porque nos nossos dias a qualidade dos produtos está assegurada. Eu tenho ideia de que as nossas empresas controlam adequadamente os seus produtos. Atualmente a dificuldade é haver matéria-prima. A partir de 2013 redirecionámos o nosso estudo para os subprodutos, onde entramos no bagaço de azeitona - um subproduto muito importante do azeite. Para termos um litro de azeite produzimos quatro quilos de bagaço de azeitona. Pegámos nesse produto e fomos valorizá-lo no sentido de encontrar os polifenóis do azeite e dar-lhes aplicações. Neste momento, aplicamos esses polifenóis num creme para barrar à base de azeite. Ainda não se encontra no mercado, mas já temos uma patente. Temos também trabalho em sementes de sésamo e outras sementes e fazemos o processo de extração da gordura a frio, estudamos a composição do produto desengordurado para utilização como farinha.

TA: Desde que entrou na FFUP até hoje formou muitos alunos. Tem ideia do número de mestres que fez até hoje?

BO: À volta de 100 mestres entre o Mestrado de Controlo e Qualidade e mestrados noutras escolas e 23 doutorados. Muitos deles continuam a pertencer ao grupo de investigação e mantêm relações connosco.

TA: Uma das funções importantes do setor científico é colaborar com as empresas na solução dos seus problemas. Globalmente, como vê a colaboração do setor científico nacional com as empresas em termos de resultados objetivos práticos e com interesse para o país?

BO: Nós sempre tivemos a política de trabalhar com as empresas. Eu costumo apresentar o meu grupo de investigação assente em três pilares: o ensino, a investigação e a extensão comunitária, que é o trabalho para a sociedade. Se eu investigar os problemas das empresas, mais facilmente me aplico ao estudo e consigo ter resultados e ajudar financeiramente o grupo. Com esta investigação e esta colaboração, eu consigo dar aulas mais interessantes aos meus alunos.

TA: Esta área dos óleos e dos azeites continua a ser uma área de investimento no nosso país, sobretudo porque não faltam olivais a serem plantados inclusivamente com novos métodos de produção que possivelmente abrirão novas possibilidades de investigação.

BO: Talvez sim, talvez não. Quanto a estes novos métodos, estou um pouco apreensiva porque estão a produzir intensivamente azeite, uma cultura tipicamente de sequeiro, a ser regado. Estão a esgotar as nossas reservas de água numa cultura que sobrevive sem ela. Outra situação negativa é que muito do nosso azeite é vendido em bruto para Itália, onde é engarrafado e vendido a preços elevados. Há uma destruição do nosso ecossistema e o rendimento que nos fica vai ser pouco porque o “grande produto” é o azeite italiano ou espanhol. Acho que era preciso mudar um pouco a política, dar incentivos a quem produz, engarrafa e comercializa o azeite. Por exemplo, o azeite de Trás-os-Montes, produzido de modo convencional, continua a ganhar prémios e não usa essas inovações.

Nota de Redação

Artigo publicado na edição n.º 28 da Revista TecnoAlimentar.

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