Dinâmica temporal de sensações na análise sensorial de cervejas artesanais
Júlio C. Machado Jr., Zita E. Martins, Miguel A. Faria, Isabel M.P.L.V.O. Ferreira
LAQV/REQUIMTE, Departamento de Ciências Químicas, Laboratório de Bromatologia e Hidrologia, Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto (FFUP)
RESUMO
As cervejas artesanais com adição de frutas apresentam uma grande diversidade sensorial e diferente aceitação pelo consumidor. Avaliar a dinâmica temporal de sensações durante o consumo de cerveja de forma a associar dados temporais descritivos a dados temporais hedónicos, em vez da avaliação sensorial tradicional, foi uma nova abordagem utilizada neste trabalho. Deste modo, foi testada a utilização das metodologias: DTS (Dominância Temporal de Sensações), GTP (Guias Temporais da Preferência) e PED (Preferência Enquanto Dominante) na análise sensorial de cervejas artesanais contendo frutas. O estudo foi realizado com trinta consumidores regulares de cerveja que realizaram a prova de dois estilos diferentes (Blonde Ale e Catharina Sour) de cervejas artesanais com frutos vermelhos. Deste modo, foi possível caracterizar em pleno a riqueza e evolução das sensações no consumo de cada estilo de cerveja, fazer uma comparação temporal das sensações das duas cervejas, incluindo dados temporais descritivos e hedónicos.
Palavras-chave: Dominância Temporal de Sensações, Guias Temporais da Preferência, Preferência Enquanto Dominante, Frutos vermelhos, Consumidores.
INTRODUÇÃO
A cerveja é a bebida alcoólica mais consumida no mundo, com produção mundial superior a 1,9 biliões de hectolitros por ano desde 2011 (Statista, 2020). Devido à diversidade das suas matérias-primas e alternativas do processo de produção, existem mais de 150 tipos de cervejas (BJCP, 2015; Brewers Association, 2020). Todavia, o mercado global é amplamente dominado por apenas dois tipos com uma quota superior a 83%, incluídos nas classificações Standard e Premium lager (Marketline, 2014). Estas são, na quase totalidade, cervejas de baixo custo, produzidas em grandes volumes em empresas multinacionais, que tendem a ter um caráter sensorial bastante uniforme entre elas: refrescantes, de sabores muito suaves e pouco complexos (BJCP, 2015).
Por outro lado, o mercado de cervejas denominadas artesanais, impulsionado principalmente pelas microcervejeiras, tem procurado constantemente a diversidade de sabores para os seus produtos. As cervejas artesanais caracterizam-se por serem produzidas em pequena escala, através de um processo menos industrializado, focado na diferenciação do produto final e na seleção dos ingredientes, resultando em diferentes tipos de cervejas com aromas e sabores peculiares (CraftBeer.com, 2017). Esta diversidade sensorial tem atraído, cada vez mais, a atenção do público consumidor de cervejas, fazendo-se notar não apenas pelo exponencial aumento de microcervejarias (The Brewers of Europe, 2019), mas também pelo atual interesse das grandes cervejeiras em produzir cervejas artesanais, além dos seus tradicionais estilos.
Tradicionalmente, a cerveja é feita com quatro ingredientes: água, malte, lúpulo e leveduras. A possibilidade de adição de outros ingredientes é determinada legalmente por cada país produtor. Em Portugal, de acordo com a Portaria nº 1/96 de 3 de janeiro, além dos quatro ingredientes principais, é permitida a adição de frutos, produtos hortícolas, plantas aromáticas, e auxiliares tecnológicos (clarificadores, estabilizadores coloidais e corretores do teor enzimático dos maltes).
A adição de frutos é uma estratégia tradicional para aumentar a intensidade e diversidade sensorial das cervejas. As cervejas Belgas do estilo Fruit Lambic, que normalmente contêm cerejas, framboesas, pêssegos, uva moscatel e groselhas pretas (BJCP, 2015), estão entre os exemplos centenários da utilização de frutas na cerveja e que perduram com sucesso e crescente valorização até aos nossos dias. Consequentemente, os cervejeiros procuram, cada vez mais, acrescentar os mais diversos frutos em diferentes estilos de cervejas. Entretanto, as possíveis combinações são infinitas e podem originar cervejas com características completamente distintas das existentes, com maior ou menor aceitação por parte do consumidor. Neste contexto, a análise sensorial tem um papel muito relevante na decisão de lançamento de uma receita/produto que tenha uma boa aceitação por parte dos consumidores. Os métodos de análise sensorial usados para tal são, muito frequentemente, estáticos, isto é, são baseados numa prova única no tempo. Todavia, o consumo de alimentos/bebidas é um processo dinâmico, guiado por processos físicos e também fisiológicos, pelo que a sua plena avaliação requer uma abordagem que seja sensível ao desenrolar das perceções durante o consumo de um alimento (Thomas et al., 2017).
Avaliar a dinâmica temporal de sensações durante o consumo da cerveja requer metodologias inovadoras, tais como DTS (Dominância Temporal de Sensações), GTP (Guias Temporais da Preferência) e PED (Preferência Enquanto Dominante), também conhecidas pelas siglas em inglês de TDS (Temporal Dominance of Sensations), TDL (Temporal Drivers of Liking) e LWD (Liking While Dominant), respetivamente.
O método de DTS, proposto inicialmente por Pineau et al. (2004), é uma análise temporal multi-atributo que permite colher, numa única avaliação da bebida, dados temporais de vários atributos sensoriais e traçar curvas de dominância de cada atributo ao longo do tempo (Pineau et al., 2004). É também possível repetir a avaliação de forma a obter avaliações DTS consecutivas referentes a cada gole ingerido (Pineau et al., 2009). Além disso, quando associada à metodologia GTP, permite estabelecer guias temporais da preferência, baseados nas alterações de preferência dos consumidores depois de realizarem a análise DTS e seguir a evolução da preferência ao longo do tempo de ingestão do produto (Thomas et al., 2015). Deste modo, é possível associar dados temporais hedónicos a dados temporais descritivos (perfis DTS), com o objetivo de identificar motivadores de preferência, ou seja, atributos que, quando citados como dominantes, levariam à diminuição ou ao aumento da preferência (Thomas et al., 2017; Thomas et al., 2016).
O objetivo deste estudo foi desenvolver e testar um método adequado para realizar uma avaliação dinâmica temporal de sensações de cervejas artesanais contendo frutos, recorrendo a DTS (Dominância Temporal de Sensações), GTP (Guias Temporais da Preferência) e PED (Preferência Enquanto Dominante).
MATERIAL E MÉTODOS
Seleção e aquisição das cervejas
Foram selecionados e adquiridos no mercado dois tipos de cervejas artesanais adicionadas de frutos, Blonde Ale e Catharina Sour, tipos onde a adição de frutos vermelhos é frequente. As cervejas finais apresentavam as seguintes características físico-químicas: Blonde Ale: coloração de 30 EBC, 6,1% de álcool, e 15 unidades internacionais de amargor (IBU); Catharina Sour: cor de 20 EBC, 5,6% de volume alcoólico e 4 IBUs.
Seleção do painel sensorial
O tamanho do painel sensorial foi determinado de acordo com os cálculos propostos por Pineau et al. (2009), segundo o qual o número mínimo de observações para um teste TDS é calculado segundo a equação: n = número de produtos/(P0 * (1- P0)), sendo P0 = 1/p, e p o número de atributos. Os dados do presente estudo resultam na equação n = 2/(0,125 * (1 – 0,125)) = 19 pelo que, tendo em conta a não inclusão de replicados, preconiza a necessidade de recorrer a pelo menos 19 participantes.
Trinta indivíduos saudáveis de nacionalidade portuguesa com idades compreendidas entre os 18 e os 65 anos (mulheres: n=17; homens: n=13) foram recrutados como voluntários. Todos os participantes eram consumidores habituais de cerveja com experiência reportada pelos próprios na descrição e avaliação críticas de aroma e paladar. Os participantes não receberam qualquer tipo de incentivo monetário pela sua participação, tendo assinado um termo de consentimento informado.
. Figura representativa do protocolo de aquisição de dados mostrando a avaliação DTS e a escala para avaliação dinâmica da preferência.
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