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Revista TecnoAlimentar

Indústria das carnes – o que mudou com a pandemia?

 

Graça Mariano

Diretora-executiva APIC

 

A pandemia trouxe uma nova perspetiva à população em todo o mundo, criando o distanciamento social e as medidas preventivas. A indústria das carnes, bem como a indústria em geral, já há mais de 30 anos que implementam as medidas que se preconizam, desde o último ano, na prevenção da Covid-19.

O ano 2020 foi decididamente marcado pelo novo coronavírus e pelas medidas impostas para evitar a contaminação da Covid-19, de forma abrangente, no mundo inteiro. Entrámos no novo ano, 2021, e a esperança voltou, a esperança de conseguirmos voltar à normalidade. Depois de nove meses de restrições, ninguém quer grandes novidades nas suas vidas pessoais e profissionais, queremos apenas recuperar o que estávamos habituados a fazer.

Também na indústria alimentar, com a pandemia, existiram mudanças, mas nada comparado com as mudanças que se revelaram noutros setores. Há igualmente vontade de voltar à normalidade, contudo, trata-se mais de voltar a uma regularidade relativa às suas vidas fora dos seus locais de trabalho, já que aqui pouco mudou. Falo da normalidade relacionada com a vida pessoal de cada um dos trabalhadores da indústria, nos seus lares com a família, nos locais de compras, nos locais de lazer e noutros contextos não profissionais. É que, para os trabalhadores da indústria, não se trata de deixarem de usar máscara ou deixarem de se preocupar com a etiqueta respiratória ou as regras básicas de higiene das mãos, pois, na indústria alimentar, o normal já é cumprirem com medidas preventivas e trabalharem em ambientes controlados, de forma que se produzam géneros alimentícios seguros.

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Para a indústria das carnes e a indústria em geral, o normal já é cumprir com a aplicação de um plano de higiene, pessoal e geral, relativo às mãos, às instalações, aos utensílios e aos equipamentos. Na verdade, as medidas de higiene preconizadas e fortemente aclamadas, quer pelas autoridades de saúde, quer mesmo por qualquer comum cidadão, são medidas que se aplicam na indústria das carnes e na indústria em geral desde há muitos anos, estando este conceito totalmente enraizado na forma de laborar de uma qualquer unidade industrial.

Na verdade, não poderemos dizer que houve mudança na indústria, o que aconteceu foram ajustes, adaptações tendo por objetivo evitar a contaminação de pessoa a pessoa, e não apenas a contaminação de pessoa para o alimento. Os procedimentos de higiene implementados são do conhecimento de cada um dos manipuladores da indústria, havendo ainda supervisão do seu cumprimento, como garante da boa aplicação. Por conseguinte, para se evitar a contaminação entre os trabalhadores, mudaram-se as estratégias de produção e de organização do trabalho, nomeadamente a gestão adequada dos recursos, de modo a reduzir-se ao máximo o contacto entre os respetivos.

As unidades industriais privilegiaram o trabalho por turnos, evitando o contacto entre os vários grupos que constituem os respetivos turnos, incentivaram o afastamento e ainda determinaram o isolamento de grupos de setores e turnos diferentes. A interrupção laboral para descanso, passou a ser em momentos diferentes, restringindo assim o convívio nos períodos de intervalo, deixou-se de promover o encontro do café.

Incentivou-se o afastamento dos trabalhadores de uma maneira geral e suspenderam-se, na maioria das situações, os briefings e as reuniões presenciais. Por esta razão, os trabalhadores que efetuam trabalho via informática, foram para as suas casas, junto dos seus. Também foi privilegiado o contacto telefónico e o contacto digital, para que as pessoas fiquem afastadas fisicamente umas das outras.

Fizeram-se grandes investimentos em termos de ensaios analíticos, não só analisam os alimentos que produzem, como começaram a testar os trabalhadores, de modo a conseguirem identificar o mais célere possível, trabalhadores positivos, seguindo-se o respetivo isolamento e consequente desinfeção das instalações. Algumas empresas criaram ainda bolsas de trabalhadores, com o objetivo de substituírem os trabalhadores que testem positividade ao SARS-CoV-2.

Mas as medidas que tanto falam, que se aplicam para evitar a Covid-19, essas, já existiam, na verdade. Naturalmente com um outro objetivo, para que não fossem as pessoas, os trabalhadores a proporcionarem algum tipo de contaminação aos alimentos que produzem, mas a forma como se implementaram as medidas preventivas e mesmo os equipamentos de proteção individual (EPIs), são os mesmos.

Senão vejamos que, as medidas de bandeira para evitar contaminação da Covid-19 assentam em princípios tais como, a etiqueta respiratória, a higiene e a desinfeção das mãos, a higiene em geral (instalações, utensílios, equipamentos, roupa), a marcha em frente, a utilização de indumentária própria, substituída diariamente ou mais que uma vez, se aplicável e o isolamento de doentes. Princípios que, como se descreve abaixo, já são aplicáveis na indústria alimentar, não só por via da legislação alimentar, mas também por consciencialização dos Industriais deste setor que sabem a importância de produzirem um alimento seguro, garantindo a continuidade da sua atividade. Por esta razão, os operadores económicos investem em formação para os seus trabalhadores, investem em infraestruturas, em equipamento de proteção individual e em desinfetantes há mais de 30 anos, sem ser preciso que a doença, que nos tem atormentado, se instale nos seus trabalhadores.

Vejamos cada um dos princípios:

·        Etiqueta respiratória:

Não utilizar as mãos quando se tosse ou quando se espirra, mas sim, utilizar lenções descartáveis, é uma medida basilar preconizada pelos trabalhadores da indústria alimentar, sendo requisito legal.

·        Higiene e a desinfeção das mãos

Qualquer trabalhador da indústria alimentar sabe, que deve lavar as mãos várias vezes, nomeadamente antes de iniciar a laboração, várias vezes durante a laboração, após a ida aos sanitários, quando muda de zonas/setores de trabalho. Os trabalhadores das indústrias alimentares, têm formação teórica e prática em Boas Praticas de Higiene, para poderem produzir alimentos seguros, razão pela qual, conhecem bem as regras de higiene e a importância de não só lavarem as mãos, mas sobretudo lavarem bem as mãos. É, igualmente um requisito legal.

·        Higiene em geral

Também a higiene das instalações, dos equipamentos e dos utensílios têm sido objeto de preocupação por parte de toda a indústria alimentar, sendo também um requisito legal, razão pela qual, não se vislumbraram mudanças em 2020. A legislação alimentar determina a existência de um plano de higiene geral.

·        Marcha em frente

Os edifícios de uma forma geral, públicos ou não, começaram a ter identificado nas paredes, nas portas e no piso, este tipo de sinalética, para evitar contactos entre as pessoas. Também na indústria alimentar, já é comum a marcha em frente, a fim de se evitar que se caminhasse de zonas sujas para limpas, minimizando eventuais riscos de contaminação.

·        Equipamento de Proteção Individual

Desde que iniciei a minha vida profissional, há mais de 25 anos, que utilizo máscaras, viseiras, luvas, batas e fatos completos, indumentárias mais ou menos resistentes, dependendo do risco em causa, foi por isso fácil para mim e para todos quantos trabalham na indústria alimentar continuar a utilizar estes equipamentos fora do local de trabalho, no nosso dia-dia, atendendo a já estávamos habitados do ponto de vista profissional.

·        Isolamento de doentes

Situação prevista também nos planos HACCP de cada Indústria alimentar, perante uma suspeita de doença infeciosa, são tomadas as medidas necessárias para substituir a pessoa em causa.

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Na verdade, todos estes princípios, fundamentais para prevenir a transmissão da Covid-19, pessoa a pessoa, são também princípios imprescindíveis e existentes na indústria das carnes e na indústria alimentar em geral para que se produzam alimentos sem risco para a saúde dos consumidores- alimentos seguros.

Reconheço, no entanto, a dificuldade inerente a todo este processo, e de como é complexo para os industriais das carnes, continuar a produzir, sabendo que apesar das medidas preventivas, a qualquer momento a doença pode surgir em um ou mais trabalhadores, o que traz consequências, para além do sofrimento humano, os inevitáveis constrangimentos para as empresas.

Não posso deixar de dar os parabéns a todos os operadores económicos deste setor e também a todos os trabalhadores das indústrias da carne, que conseguiram, embora com todas estas limitações, continuar a produzir carne, preparados de carne e produtos à base de carne, de forma segura, sem nunca ter havido roturas no mercado. Apesar da situação atual, e das limitações inerentes, é de realçar a capacidade empreendedora dos operadores económicos portugueses, os quais ainda assim, continuam a evoluir, sempre com vontade de colocarem no mercado, novos produtos que sirvam os interesses dos consumidores.

Mais recentemente, e seguindo as tendências de toda a europa, os operadores económicos portugueses têm investido muito nas condições de bem-estar dos animais que darão origem aos produtos de origem animal. Nomeadamente, o desenvolvimento da certificação em bem-estar animal, que se aplicará a todo o setor da suinicultura desde a produção animal até aos estabelecimentos de abate. Esta certificação será refletida na rotulagem da carne de suíno, estando a ser promovida pela Interprofissional FILPORC, pretendendo esta entidade que a certificação se aplique não só às suiniculturas, como também aos transportadores e aos matadouros, naturalmente com indicadores ainda mais exigentes que os preconizados na legislação em vigor.

Portugal tem, sem dúvida, um leque variado e muito específico de produtos de origem animal que se mantêm em produção, alguns, desde há mais de cem anos, e que são apreciados não só pelos portugueses, como também pelos turistas que nos visitam, bem como pelos residentes dos variadíssimos países para onde exportamos. Atualmente é possível adquirir carne e produtos de origem animal (presunto, enchidos, entre outros) produzidos em Portugal em pelo menos 58 países diferentes, desde países do Oriente até países da América do Sul, Central e do Norte, num total de mais de 161 produtos diferentes. Tem sido estratégico, para o tecido empresarial do setor das carnes, a abertura de novos mercados para exportação dos produtos portugueses, o que revela a grande capacidade interventiva dos nossos operadores económicos.

A Associação Portuguesa dos Industriais de Carnes é uma associação com personalidade jurídica e sem fins lucrativos, de âmbito nacional, tendo como objetivo principal defender os interesses da indústria de carnes em geral. No âmbito das suas competências, tem prestado o apoio técnico e jurídico necessário às unidades industriais de carne, congratulando-se com a grande capacidade empreendedora dos nossos associados.

 

Nota de Redação

Artigo publicado na edição n.º 26 da Revista TecnoAlimentar.

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