Impressão digital química da vinha e do vinho - História e Arte
Pela sua importância na indústria do vinho, a videira (Vitis vinifera L.) é uma das mais importantes plantas de fruto a nível mundial. Atualmente, ocupa mais de 7,4 milhões de hectares de área de cultivo global (International Organisation of Vine and Wine, 2019).
![Impressão digital química do vinho](/userfiles/image/dropzone/blogs/20210211101657-ta.png)
Portugal, com cerca de 192 milhares de hectares ocupados com vinha é o quinto país europeu produtor de vinho, ocupando o 11º lugar a nível mundial e sendo o único país europeu que registou um aumento de produção em 2019, isto relativamente ao ano anterior (International Organisation of Vine and Wine, 2019).
A espécie Vitis vinifera é a única cultivada para a produção de uva, existindo cerca de 6 000 cultivares diferentes em todo o mundo (International Organisation of Vine and Wine, 2017). Apesar de serem da mesma espécie, cada cultivar tem características únicas, a nível do desenvolvimento, suscetibilidade a doenças, resistência a determinadas condições ambientais, e ainda ao nível da própria uva e do vinho produzido.
Estes diferentes fenótipos são, em grande parte, o resultado do metaboloma presente em cada cultivar representando a resposta final dos sistemas biológicos a mudanças genéticas e ambientais (Fiehn, 2002). Em videira, a caracterização do metaboloma, é essencial para compreender processos fisiológicos e de resposta a condições de stress, melhorar a resistência a doenças, aumentar a produtividade e avaliar o valor nutricional e benéfico de alguns compostos para a saúde humana.
Caracterização do metaboloma
O metaboloma é dinâmico e extremamente complexo (Aretz e Meierhofer, 2016), estimando- se que em plantas o número de metabolitos chegue aos 200 000 compostos químicos diferentes (Fiehn, 2002). A identificação destes compostos é conseguida através da utilização de tecnologias analíticas como a espectroscopia de ressonância magnética nuclear (Nuclear Magnetic Resonance, NMR) e a espectrometria de massa (Mass Spectrometry, MS).
Ambas têm sido usadas na caracterização de metabolitos da videira e do vinho (Ali et al., 2009; Maia et al., 2019), no entanto a espectrometria de massa apresenta muito mais elevada sensibilidade e seletividade, permitindo a deteção de milhares de compostos (Markley et al., 2017; Maia et al., 2019).
Para a deteção e identificação de pequenas moléculas, é comum acoplar os equipamentos de espectrometria de massa a técnicas separativas, como a cromatografia líquida (liquid chromatography, LC) ou gasosa (gas chromatography GC).
Na análise do metaboloma da videira, o LC- e o GC-MS têm sido utilizados principalmente em abordagens direcionadas para a caracterização de classes específicas de metabolitos em folhas, caules e uvas (Anesi et al., 2015; Billet et al., 2018; Monagas et al., 2006; Souquet et al., 2000). Estes estudos apontam a videira como uma potencial fonte de ingredientes bioativos com propriedades antioxidantes, abrem o caminho para a discriminação de genótipos de videira e confirmaram o efeito terroir no perfil metabólico de uvas provenientes da mesma cultivar.
Na análise de vinhos por LC- ou GC-MS, a abordagem é também maioritariamente direcionada, sendo os alvos principais os compostos fenólicos, devido à sua contribuição para a cor, adstringência, amargura e aroma do vinho, os açúcares e os aminoácidos (Cuadros- Inostroza et al., 2016; Monagas et al., 2007; Rubert et al., 2014).
Outra aplicação é a análise da qualidade e segurança para o consumidor, com o desenvolvimento de métodos que permitem a deteção de pesticidas, e compostos tóxicos, provenientes do metabolismo microbiano e da levedura nos vinhos (Flamini e Panighel, 2006). Sendo a composição química do vinho extremamente complexa, a sua caracterização desafia as abordagens convencionais da química analítica.
A espectrometria de massa de extrema resolução
A análise de misturas extremamente complexas exige técnicas analíticas capazes de fornecer uma resolução extrema para resolver dezenas de milhares de compostos individuais, sem a necessidade da separação cromatográfica. Atualmente, a espectrometria de massa de ressonância ciclotrónica de ião com transformada de Fourier (Fourier Transform Ion Cyclotron Resonance Mass Spectrometry, FT-ICR-MS) fornece a mais elevada resolução de massa disponível, capaz de exceder os 20 milhões de resolução com o mais recente instrumento desenvolvido (Bruker Daltonics).
Esta tecnologia, disponível em Portugal na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, coloca a investigação da vinha e do vinho num nível superior.
No nosso grupo, desenvolvemos métodos para a extração de metabolitos de folhas de videira compatíveis com a análise metabolómica por infusão direta em FT-ICR-MS (Maia et al., 2016), identificando milhares de espécies químicas em poucos minutos, e caracterizámos o metaboloma de folhas da cultivar de videira “Pinot noir” com vista à sua valorização como fonte de compostos bioativos com elevado valor nutritivo e nutracêutico (Maia et al., 2019).
Esta tecnologia foi ainda utilizada para a discriminação da cultivar “Trincadeira”, suscetível ao míldio, da variedade mais resistente “Regent” (Maia et al., 2018). As uvas e vinhos correspondentes também foram classificados com base nas suas impressões digitais químicas e o efeito do terroir na sua composição foi confirmado por FT-ICR- -MS (Roullier-Gall et al., 2014a; Roullier-Gall et al., 2014b).
Continua
Nota: Artigo publicado originalmente na Agrotec 35
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