Empresa de serviços de manutenção - Breve reflexão sobre a constituição de uma nova empresa
No passado recente, tem-se verificado um aumento substancial na criação de novas empresas em Portugal. Com efeito, no ano de 2019, foi ultrapassado o recorde de criação de novas empresas no panorama nacional, com a constituição de 48 854 novas organizações, o que se traduz num aumento de 6,4% face ao ano anterior [1]. Se alargarmos o espetro desta análise, constatamos a existência de uma tendência crescente a partir de 2017.
Por: Hugo Madeira Cardoso, Navaltik Management, Lda. (email: hcardoso@manwinwin.com)
Não obstante o referido anteriormente, a propagação do novo coronavírus, à qual também Portugal não conseguiu escapar, trouxe uma desfavorável repercussão na tendência positiva que se vinha verificando nos últimos anos. Efetivamente, nos primeiros quatro meses do ano, foram registadas apenas 13 084 novas empresas, uma diminuição de 34,6% face ao período homólogo [2]. Tal descida poderá ter como justificação os impactos que a pandemia da COVID-19 teve no país, em particular devido às restrições de atividade económica impostas pelo Estado de Emergência, as quais tiveram como consequência nefastos resultados no panorama económico.
A elaboração de um artigo, cujo tema principal versa sobre a criação de uma nova empresa, desenvolvido num período de crise económica em consequência da pandemia da COVID-19, poderá parecer despropositado ao leitor. No entanto, é importante constatar que, antes da referida situação, o país registava um crescimento na criação de novas empresas. Tem vindo a ser reconhecido nos últimos anos, o espírito empreendedor e inovador do país, pelo que é expectável que, mesmo num momento desafiante, novas empresas estejam a ser criadas ou, pelo menos, ponderada a sua constituição.
Atendendo à evolução positiva na criação de novas organizações, pretende-se com este artigo apresentar algumas reflexões sobre a criação de uma nova empresa, com especial destaque para a criação de uma empresa de prestação de serviços de manutenção. A leitura deste artigo poderá ser o primeiro passo para quem pretende constituir uma organização deste tipo.
Constituição de uma empresa
Entre startups e empresas com modelos de negócio tradicionais, 2019 foi, tal como anteriormente referido, um ano em que se ultrapassou o recorde de novas empresas criadas em Portugal.
Partamos então, numa primeira instância, da distinção entre startups e empresas com modelos de negócio tradicionais. A principal diferença entre uma startup e uma empresa com um modelo de negócio tradicional centra-se, sobretudo, no respetivo modelo de negócio. O modelo de negócio de uma organização é nada mais do que uma avaliação das despesas necessárias para a produção de algo ou prestação de um determinado serviço e a forma como será entregue ao cliente final (preço, métodos de pagamento, entre outros).
Com esta definição em mente, segundo Steve Blank [3], uma startup procura que o seu modelo de negócio seja repetível e escalável, tendo sempre aliado o fator inovação, através da apresentação de um novo conceito no mercado e/ou da utilização de uma nova tecnologia. Um modelo de negócio repetível e escalável representa um modelo que se centra num produto ou serviço que pode ser vendido a todos os clientes e que permite o acréscimo do número de clientes sem aumentar consideravelmente os custos operacionais. [4]
O significativo aumento do número de startups em Portugal não aconteceu por mero acaso, uma série de medidas foram sendo tomadas com o objetivo de virar a atenção de investidores internacionais para o país. Este caminho começou a ser trilhado com a organização do evento de tecnologia e inovação Web Summit. Também uma série de apoios do ponto de vista financeiro ao empreendedorismo foram criados pelo Governo, o que contribuiu para o aumento do número de empreendedores no país.
Atualmente, Portugal conta ainda com a existência de várias empresas incubadoras e aceleradoras, que prestam um apoio considerável ao lançamento de novas startups, através da oferta de espaço físico, da partilha de conexões e, além disso, de programas de desenvolvimento de modelos de negócio.
Mas não são apenas as startups as responsáveis pelo aumento progressivo do número de empresas em Portugal, as organizações com modelos de negócio tradicionais também têm a sua quota-parte neste crescimento. Na verdade, apesar de terem conceções muito distintas, ambas têm algo em comum: os desafios e dificuldades inerentes à abertura de um negócio próprio.
A primeira adversidade que se pode encontrar após se decidir pela abertura de um negócio é, seguramente, o necessário investimento financeiro. No entanto, apesar deste ponto poder ser uma adversidade, não deverá ser encarado como um impedimento. Efetivamente, o foco inicial de qualquer empreendedor deve estar nele mesmo e naquilo que ele próprio pode trazer ao negócio.
Segundo Greg Fisher [5], existem quatro princípios fundamentais que devem ser seguidos quando se considera abrir um negócio com pouco capital disponível para investimento. Em primeiro lugar, o leitor deve analisar quais as suas principais competências, a experiência que acumulou ao longo dos anos, o seu nível de conhecimento e os recursos que poderá ter disponíveis. Estas perguntas devem ser respondidas de forma cuidada e ponderada pois serão o seu ponto de partida no processo de abertura de um negócio próprio.
Após esta análise, deverá olhar para a sua lista de contactos, ponderando de que forma estes poderão ser uma mais valia na criação do seu negócio, não apenas na fase de delineamento inicial do mesmo, mas também tendo em conta a constituição da sua futura equipa de trabalho. Deve procurar escolher as pessoas que o vão ajudar com base no valor que estas poderão trazer e não com base na ligação pessoal. De acordo com Jim Collins [6], um dos pontos que carateriza uma gestão de excelência é a seleção das pessoas certas para a equipa antes mesmo até da definição da estratégia a seguir pela empresa. O ativo mais importante de uma empresa não são as pessoas, mas sim as pessoas certas.
Naturalmente que o investimento económico inicial deverá também ser bastante ponderado. O eventual sucesso que a empresa poderá ter é bastante incerto e impossível de se prever. Invista apenas uma quantia que, caso não tenha o retorno da mesma, não lhe traga muitas implicações negativas. Seguindo esta ideia, é até aconselhável iniciar o projeto da sua nova empresa em paralelo com o seu emprego atual.
Em quarto, e último lugar, o leitor deve ter sempre uma mentalidade aberta à mudança. Deverá estar sempre disposto a alterar processos, procedimentos ou até mesmo o produto, por forma a adaptar-se a alterações nas preferências dos consumidores, na legislação ou até mesmo na evolução dos processos tecnológicos. Desta forma, estará mais próximo de ser bem-sucedido.
Constituição de uma empresa de serviços de manutenção
Os quatro tópicos aos quais se faz referência no ponto anterior são, igualmente, válidos e imprescindíveis quando se pretende criar uma empresa de serviços de manutenção. Além destes, outros fatores existem que poderão contribuir de forma favorável para o sucesso da empresa.
Em concordância com o primeiro princípio referido no ponto anterior, as competências do leitor deverão ser tidas em linha de conta para a definição do tipo de serviço a prestar pela sua empresa: Aquecimento, Ventilação e Ar Condicionado (AVAC), manutenção de equipamentos industriais, serviços de eletricidade, entre outros. Mas não é apenas esta a chave para tal definição. É aconselhável uma análise ponderada à área geográfica onde irá estabelecer o seu negócio, por forma a identificar os potenciais concorrentes que estejam já estabelecidos no mercado e, simultaneamente, reconhecer as necessidades existentes nessa área e possíveis insuficiências na oferta.
O próximo passo será a escolha dos seus colaboradores e, para tal, os seus contactos, poderão desempenhar um papel fundamental nesta etapa. Escolha funcionários especializados e qualificados para as áreas de gestão (backoffice) e manutenção – técnicos de AVAC, técnicos de eletricidade, entre outros, consoante, naturalmente, a área de ação da sua organização. Além da equipa de manutenção, a empresa terá também de contar com, pelo menos, as seguintes áreas: administrativa, financeira, comercial e marketing.
Não sendo essencial, uma função de account management poderá ser uma mais-valia no que toca ao desenvolvimento das relações comerciais e institucionais entre a empresa e os seus clientes, o que poderá facilitar, igualmente, renovações de contratos e recomendações dos clientes atuais a potenciais.
Independentemente do tipo de negócio, é essencial encontrar fatores que distingam a sua empresa dos concorrentes. Quanto a este ponto, os técnicos de manutenção poderão ter um papel fundamental, uma vez que são eles que terão contacto direto com os seus clientes. Deste modo, além de terem de garantir que o trabalho de manutenção é executado com a maior qualidade possível, devem também interagir com o cliente – explicar os trabalhos a desenvolver, recomendar ações que prolonguem a vida útil dos objetos –, por forma a que este sinta que está a receber valor acrescentado e não apenas um simples serviço de manutenção.
A aquisição de um sistema informatizado de gestão da manutenção (CMMS) é igualmente um fator distintivo e de elevada importância, permitindo a gestão de toda a componente operacional da empresa. Através da utilização de um sistema deste tipo, poderá controlar todos os trabalhos de manutenção a efetuar nos seus clientes, gerir os seus recursos humanos e materiais (controlo dos níveis de stock das peças para manutenção) e ainda elaborar os relatórios das diversas intervenções.
Centrando a atenção neste último ponto, a utilização de um CMMS permite ainda fornecer ao cliente uma plataforma onde este possa acompanhar em tempo real os trabalhos de manutenção a serem desenvolvidos, o estado dos seus equipamentos (em funcionamento, sob manutenção, entre outros), registar e reportar anomalias e controlar o tempo de resposta do fornecedor com base no nível de serviço previamente definido – Service Level Agreement (SLA).
Considerações finais
O número de empresas criadas em Portugal tem vindo a aumentar nos últimos anos. Apesar de uma natural desaceleração devido à pandemia do novo coronavírus, é expectável que no futuro próximo a tendência se aproxime da verificada antes desta situação.
Apesar de o investimento inicial ser indispensável para a constituição de uma nova empresa, é sobretudo importante planear e estudar o processo de criação da organização. Desta forma, o foco deve estar, antes de mais, centrado no leitor e em quatro pontos que devem ser seguidos na criação de uma nova empresa: explore as suas competências; recorra à sua lista de contactos; invista apenas o que pode perder; seja recetivo à mudança.
Em qualquer atividade, é crucial conseguir diferenciar a sua empresa dos respetivos concorrentes. No caso de uma empresa de serviços de manutenção, esta diferenciação pode ser conseguida através de várias formas - as diferentes áreas da empresa devem ser constituídas por funcionários qualificados; os técnicos de manutenção, aquando das suas visitas às instalações dos clientes, devem demonstrar uma atitude que leve a que estes sintam que estão efetivamente a receber valor acrescentado e não um simples serviço de manutenção: os seus técnicos de manutenção serão a cara da sua empresa junto dos clientes; a utilização de um CMMS contribui sobremaneira para uma boa imagem da sua empresa, mostrando organização, gestão e controlo operacional, permitindo ainda que forneça aos seus clientes uma plataforma onde poderão acompanhar em tempo real a evolução dos trabalhos e reportar avarias nos seus ativos.
O caminho a percorrer para a criação de uma nova empresa é árduo e difícil, requererá muita força de vontade e perseverança, sendo, muitas vezes, incerto, uma vez que é impossível prever o nível de sucesso que se atingirá. Um planeamento ponderado, antes de iniciar o processo é um ponto-chave para que o negócio tenha êxito. No entanto, deverá procurar manter-se recetivo a possíveis alterações de processos ou à estratégia da sua empresa por forma a atingir resultados sólidos e sustentáveis que lhe permitam alcançar o sucesso.
Referências bibliográficas
[1] LUSA, A. (2020). Ano 2019 bate recorde de criação de novas empresas em Portugal. Disponível em https://observador.pt/2020/01/07/ano2019-bate-recorde-de-criacao-de-novas-empresas-em-portugal/
[2] Pandemia afunda em 74% a constituição de novas empresas em Portugal. (2020). Disponível em https://executivedigest.sapo.pt/pandemiaafunda-em-74-a-constitucao-de-novas-empresas-em-portugal/
[3] What's a Startup? First principles. (2010). [Blog]. Disponível em: https://steveblank.com/2010/01/25/whats-a-startup-firstprinciples/
[4] MENDES, J. (2018). O que é uma startup? - Empreendedor.com. Disponível em https://www.empreendedor.com/o-que-e-umastartup/
[5] FISHER, G. (2019). How To Start A Business With No Money. Disponível em https://www.entrepreneur.com/article/327468
[6] COLLINS, J. (2015). De Bom a Excelente. 10ª Edição, Casa das Letras. Lisboa.