Suplementos alimentares: entre benefícios, riscos e autenticidade

FOTOGRAFIA ALICE-PASQUAL/ UNSPLASH
O consumo de suplementos alimentares tem vindo a crescer de forma contínua, impulsionado pela procura de bem-estar, envelhecimento saudável e manutenção da saúde. Estes produtos, que frequentemente se situam na fronteira entre a alimentação e a terapêutica, estão enquadrados como sendo alimentos pela Diretiva 2002/46/CE, que define as regras específicas aplicáveis a suplementos alimentares.
Sendo juridicamente considerados alimentos, os suplementos devem ainda cumprir toda a legislação alimentar aplicável. No entanto, embora estejam sujeitos a requisitos de segurança e rotulagem, por não serem medicamentos, não lhes é exigida demonstração prévia de eficácia.
Este setor movimenta quantias económicas muito significativas, estimando-se que o mercado europeu ultrapasse atualmente os 25 mil milhões de euros, com tendência de crescimento nos próximos anos. A ampla facilidade de acesso - seja em farmácias, parafarmácias, supermercados, anúncios televisivos ou através do forte aumento da oferta verificado em plataformas de comércio eletrónico - tem impulsionado o consumo destes produtos. Embora a suplementação possa ser benéfica em contextos específicos, tais como deficiências nutricionais documentadas ou situações clínicas que exigem suporte adicional, o consumo indiscriminado não é isento de riscos. Interações com medicamentos e adulterações são problemas crescentes, frequentemente desconhecidos ou subestimados pelos consumidores.
Um dos desafios mais relevantes prende-se com a autenticidade destes produtos, em especial dos suplementos alimentares à base de plantas. As fraudes podem ocorrer a dois níveis principais: (i) na origem botânica, e (ii) na adição deliberada de fármacos para potenciar o efeito declarado pelo produto. No primeiro caso, a perceção (errada) de que “natural” equivale a “seguro” pode levar os consumidores a uma sensação de confiança nem sempre justificada. As plantas medicinais contêm misturas complexas de fitoquímicos, alguns potencialmente tóxicos, e a substituição intencional ou acidental de espécies altera a composição química e pode comprometer a segurança. Estas substituições podem ser acidentais, por exemplo, resultar de colheitas realizadas por pessoal não especializado, mas ocorrem sobretudo por motivos económicos, quando espécies de elevado valor são intencionalmente substituídas por outras de menor custo. Assim, a rastreabilidade e a implementação de boas práticas de cultivo e colheita são fundamentais, a par de um controlo de qualidade rigoroso ao longo da cadeia de valor. Acresce que, mais recentemente, tem-se verificado uma utilização crescente de plantas medicinais provenientes de outros continentes, frequentemente associadas a práticas de medicina tradicional asiática ou sul-americana. Estas matérias-primas, envolvem geralmente cadeias de abastecimento mais longas e complexas, o que pode aumentar o risco de adulterações. Neste contexto, as indústrias de suplementos alimentares e/ou produtoras de extratos de plantas devem privilegiar fornecedores credíveis e rastreáveis, bem como realizar verificações aleatórias de autenticidade botânica que assegurem a conformidade das matérias-primas utilizadas. Entre as ferramentas disponíveis, as técnicas baseadas na análise de DNA destacam-se pela sua capacidade de identificar espécies com elevada especificidade, incluindo abordagens desde a sequenciação clássica (Sanger) até métodos rápidos de amplificação isotérmica que dispensam equipamento complexo.
Por outro lado, a adição ilícita de fármacos representa um problema de saúde pública. Relatórios do Sistema de Alerta Rápido para os Géneros Alimentícios e Alimentos para Animais (RASFF) e da Food and Drug Administration (FDA) documentam a presença recorrente de inibidores da PDE-5, classe de fármacos utilizados no tratamento da disfunção erétil, em suplementos para desempenho sexual e de substâncias com efeito anorético em produtos para perda de peso. Estudos internacionais mais recentes revelaram também a presença de antidiabéticos em alguns suplementos destinados à regulação da glucose, anti-inflamatórios em produtos para articulações e hipnóticos em suplementos para o sono. Estes exemplos evidenciam a necessidade de métodos analíticos que permitam às autoridades competentes detetar adulterações e garantir a segurança dos consumidores. A deteção destas adulterações é efetuada sobretudo através de técnicas cromatográficas acopladas à espectrometria de massa (LC-MS/MS), pela sua elevada sensibilidade e seletividade. A sua utilização em práticas de fiscalização é fundamental não apenas para proteger o consumidor, mas também para defender as empresas cumpridoras que são prejudicadas pela concorrência desleal de produtos adulterados.
Em suma, o enquadramento legal dos suplementos que contêm plantas medicinais continua a suscitar debate pois, por serem regulamentados como alimentos e não como medicamentos, as exigências de comprovação de eficácia e segurança são menos rigorosas. Este facto reforça a importância de investimento científico e tecnológico na autenticação, rastreabilidade e controlo de qualidade destes produtos. Apesar de não ser obrigatório, é fortemente recomendável que as indústrias de suplementos adotem boas práticas de fabrico, à semelhança do que acontece na indústria farmacêutica, implementando controlo de qualidade das matérias-primas e dos produtos finais. Seria ainda desejável que, caso a legislação mantenha estes produtos sob a alçada alimentar, se desenvolvam mecanismos que distingam as empresas que seguem padrões de qualidade elevados, por exemplo através da criação de um selo de qualidade voluntário, semelhante a programas de certificação já existentes nos Estados Unidos (como o selo USP Verified), que permita ao consumidor reconhecer produtos fabricados de forma segura e transparente.
Autora: Joana S. Amaral
Professora Coordenadora, Instituto Politécnico de Bragança
Investigadora CIMO, LA SusTEC, Instituto Politécnico de Bragança
Co-editorial da TecnoAlimentar 45, outubro/ dezembro 2025, dedicada ao tema "Suplementos alimentares: Benefícios e autenticidade"
Outros artigos que lhe podem interessar