Um ano de pandemia deu cinco anos ao e-commerce
Fechados em casa, mas não isolados do mundo. No ano da pandemia, os portugueses ligaram-se à net e compraram muito. O mercado terá crescido 60% e há quem estime um salto de cinco anos na tendência.
Quando os portugueses se confinaram em março de 2020, muitos açambarcaram vários tipos de produtos das prateleiras dos supermercados. Era o início de uma nova era. Um período de dor e sofrimento para muitas famílias, mas também marcado por dificuldades financeiras. E que, um ano depois, parece ainda longe de estar terminado.
Nessa primeira vaga da Covid-19, em que tudo era novo e incerto, os portugueses desenrascaram-se como puderam. E as empresas também. Quando as restrições à atividade económica passaram a ser a nova realidade, para umas, a solução foi produzir máscaras e álcool-gel. Outras decidiram voltar-se para a internet.
Sim, os portugueses, tal como os demais cidadãos, tiveram de se isolar nas suas próprias casas. Mas não se isolaram do mundo. A rede global passou a conectar tudo, ainda mais. Rapidamente, assumiu-se como pilar desta nova economia, forçada a uma digitalização mais rápida e determinante. Se o comércio online já estava em crescimento antes da pandemia, a Covid-19 carregou a fundo no pedal do acelerador.
Mercado do comércio online terá crescido 60%
Logo nesses primeiros meses da crise sanitária, muitos comerciantes perceberam que ter uma loja online deixou de ser opcional e passou a ser mandatório. Era uma questão de sobrevivência. Por isso, muitas empresas criaram sites na internet e outras tantas renovaram e aprimoraram os que já tinham.
Dados da DNS.pt mostram que o registo de sites com domínio .pt voltou a disparar para máximos históricos: foram criadas 130.816 novas páginas com o indicativo português, quase mais 10 mil do que no ano anterior. Juntando os domínios .com.pt, o número sobe para 132.769. Nem todos os registos correspondem a lojas online, mas muitos serão certamente.
Em pleno verão, a ideia de que a pandemia iria revolucionar o e-commerce já tinha deixado de ser mera perceção: era um dado adquirido. Por isso, logo nessa altura, as empresas de encomendas começaram a preparar-se para a loucura do final do ano.
Em novembro, no começo da chamada peak season das encomendas, os CTT publicavam um estudo a perspetivar um crescimento do mercado de comércio eletrónico em Portugal na ordem dos 60% face a 2019, para 5,9 mil milhões de euros. O ritmo é “cerca de três vezes” o verificado nos dois anos anteriores, indicava a companhia.
Nesse período de maior volume de encomendas, entre 27 de novembro e 24 de dezembro (abrangendo as campanhas da Black Friday e do Natal), os CTT e a concorrente DPD levaram até às casas dos portugueses um total de 5,8 milhões de encomendas. Foi um recorde absoluto e, no caso da última, um crescimento de 26% no volume face ao mesmo período do ano anterior. Os CTT não revelaram a percentagem da subida, limitando-se a reconhecer o “aumento significativo” do volume de encomendas face ao registado em 2019.
Não é despiciente. A pandemia trouxe para o mundo online muitos cidadãos que ainda não estavam ligados à rede. Segundo dados do Eurostat, 78% dos portugueses com idade entre 16 e 74 anos acederam à internet nos últimos tempos, uma subida de três pontos percentuais face a 2019 e 2018 (período em que o indicador estagnou).
Ainda assim, os dados do comércio online colocam Portugal na cauda da União Europeia no que toca à tendência para fazer compras na internet, e bastante abaixo da média dos 27. De entre os indivíduos desse intervalo etário que usaram internet, apenas 45% fez compras ou encomendou bens e serviços para uso pessoal através da rede. O país só ficou à frente da Bulgária e da Roménia.
Retalho e restauração apostam nas entregas
A transformação digital causada pela pandemia fica ainda mais evidente analisando os casos do retalho e da restauração, sobretudo no novo confinamento do início deste ano. O “encerramento” do país decretado em meados de janeiro, apesar de prejudicar gravemente a economia, já não causou um choque tão grande como em 2020.
Do ponto de vista operacional, a partir de março, e ao longo de todo o ano, as grandes cadeias de hipermercados foram afinando as suas operações online, reforçando a capacidade e oferecendo novas opções aos clientes.
Retalhistas como o Continente e o Pingo Doce (Mercadão) confirmavam isso mesmo no início do novo confinamento: “Podemos afirmar que estamos preparados para acompanhar a procura”, dizia fonte oficial da marca da Sonae, referindo-se às entregas online. “Temos vindo a acompanhar o crescimento da procura com a mobilização dos recursos necessários, de forma preparada e sem surpresas“, acrescentava a mesma fonte.
No caso do Pingo Doce, a empresa não se coibiu a revelar números: “A operação do Mercadão cresceu mais de 700% desde o início da pandemia, onde a agilidade do nosso parceiro em adicionar à sua estrutura um grande número de colaboradores e aumentar a sua capacidade de entrega foi fundamental para o sucesso do negócio”, dizia ao ECO, em janeiro, fonte oficial da marca da Jerónimo Martins.
Quanto as plataformas de entregas de refeições, estas assumiram um papel tão central para suportar o setor da restauração que o Governo acabou por avançar com uma lei para limitar as comissões e taxas cobradas por estas empresas. Não se conhecem números, pois as empresas não os revelam, mas plataformas como Glovo e Uber Eats passaram a vender (e entregar) coisas tão diversas como livros, brinquedos sexuais e até testes Covid-19 ao domicílio.
IBM estima pulo de cinco anos no e-commerce
À luz de tudo isto, fica claro que as vendas de produtos e serviços na internet têm evitado cenários económicos ainda mais catastróficos na pandemia. E o efeito poderá ser duradouro: muitos dos novos clientes digitais, apelidados de e-buyers, vieram para ficar.
Dados dos CTT indicam que a esmagadora maioria (92,1%) compra uma ou mais vezes por trimestre. Além disso, cada e-buyer faz, em média, 13,8 compras online por ano e gasta um montante na ordem dos 39,7 euros.
Toda esta transformação foi tal que, em agosto, somente poucos meses depois do início da pandemia, a gigante IBM já estimava que a Covid-19 acelerou em cinco anos a transição do comércio das lojas físicas para o digital, de acordo com o Tech Crunch.
Nesse mês, a empresa calculou também que as vendas em lojas físicas terão caído 60% em 2020 face ao ano anterior e projetou um crescimento de cerca de 20% para o e-commerce norte-americano.
Nos próximos tempos, deverá ser lançada mais luz sobre o real crescimento do mercado do comércio eletrónico em 2020, pois as estimativas não são totalmente consensuais. Por exemplo, em outubro, o diretor-geral da Correos Express em Portugal, Juan Hermida, afirmava: “As compras online têm vivido um crescimento exponencial em Portugal chegando mesmo a valores que se esperavam apenas dentro de um ou dois anos.”
Para já, uma coisa é mais do que certa: seja um pulo de dois ou de cinco anos, o comércio eletrónico cresceu em 2020. E muito.
FONTE: ECO Economia Online