Ernesto Morgado, S.A.: Arroz que nasce nas margens do Mondego
A Ernesto Morgado, SA é uma empresa que data de 1920, sendo a mais antiga da indústria do arroz em Portugal, sustentada pela proximidade geográfica de uma região intimamente ligada ao cultivo deste cereal, o Mondego.
A TecnoAlimentar, na sua primeira edição, conversou com Jorge Oliveira, Administrador da Ernesto Morgado. Está na empresa detentora da marca Pato Real há 9 anos e tem formação superior em engenharia química. O Administrador contou-nos mais sobre a atividade e expectativas da empresa situada no Mondego da marca Pato Real.
TecnoAlimentar: A Ernesto Morgado situa-se numa região conhecida pelo cultivo do arroz. Vê a localização geográfica como um fator competitivo muito importante?
Jorge Oliveira: A localização tem uma importância muito grande por diferentes motivos. Obviamente, tratando-se de um produto sólido, os fornecedores locais implicam um menor custo de transporte mas, mais importante ainda, é o desenvolvimento de relações privilegiadas com os fornecedores, assentes em confiança mútua e qualidade. A empresa tem por isso fatores competitivos únicos, por ser a única de grande dimensão no espaço nacional que está implantada no vale do Mondego.
TA : Qual o produto mais vendido?
JO: O produto de maior relevo é o arroz da variedade carolino, onde a nossa marca Pato Real Malandrinho é líder nas marcas de produtor. Em tonelagem, tem também importância a produção de arroz embalado para marcas do distribuidor, embora a quantidade anual seja mais volátil.
TA : Tivemos oportunidade de constatar que a Ernesto Morgado apresenta a inovação e desenvolvimento como pilares estratégicos. Em que medida esta aposta já se traduziu em retorno/resultados? Quais os melhores exemplos disso mesmo?
JO: Um benefício importante que colhemos da nossa dinâmica de inovação em novos produtos e referências é indireto: o valor e a imagem da marca como uma referência de qualidade e inovação. O relacionamento da empresa com a distribuição e as instituições financeiras beneficiou desta atividade e imagem pelo valor estratégico que tem. Estamos convictos que os resultados de todos os produtos da marca beneficiaram destes valores. Do ponto de vista financeiro, as novas referências (arroz de variedades novas e refeições prontas a consumir) têm uma expressão ainda pequena no negócio. Contudo, temos também aqui o maior potencial de crescimento a prazo, particularmente para exportação. Além disso, temos que comparar com o cenário em que não tivéssemos apostado na inovação. Na realidade, não se consegue estar estático porque o mundo à nossa volta move-se: se não fizermos nada, movemo-nos, em termos relativos, para trás (e sem controlo sobre essa velocidade de regressão). Sem esta aposta, a empresa poderia estar não só numa situação menos boa do que a que tem hoje, como estaria provavelmente numa situação ainda menos boa do que a que tinha no momento em que se adotou a inovação como um pilar estratégico da empresa.O melhor exemplo foi a nossa aposta em produtos prontos a consumir, centrada numa tecnologia de conservação que permite obter produtos de elevada qualidade, com tempo de vida longo e sem necessidade de rede de frio, e que se revelou particularmente feliz para potenciar os novos mercados.
É um grande orgulho, dado que só foi possível graças à nossa própria I&D, em boa hora apoiada por programas geridos pela Agência de Inovação, que nos permitiu alcançar qualidade e diferenciação, que superou as nossas próprias expectativas. Os produtos semelhantes e os disponíveis em congelado e refrigerado têm de utilizar arroz vaporizado e são quase impossíveis de fazer com arroz carolino, que tem um teor de amilopectina (vulgo goma) muito elevado e, devido à retrogradação do amido, resultam num “grudado” desagradável.
A nossa investigação conduziu a soluções integradas que permitiram controlar o desenvolvimento das ultraestruturas moleculares e obter arroz carolino não-vaporizado e esterilizado termicamente (um processo que o expõe a temperaturas na ordem dos 130°C por um tempo que pode chegar a 1 hora). Isso foi muito importante para a qualidade, porque este tipo de arroz absorve o paladar dos molhos onde é cozinhado, permite obter o sabor tradicional das receitas portuguesas e não precisamos de utilizar qualquer tipo de conservante ou ingrediente artificial. Temos um produto com valor de diferenciação, o que nos permite maximizar as suas potencialidades de crescimento e penetração em mercados diversos.
TA : O investimento em Investigação e Desenvolvimento prevê um risco elevado e um retorno a longo-prazo. Com a situação económica que se verificou nos últimos anos, e a consequente dificuldade de acesso ao crédito, não sentiu que o investimento em I&D poderia ser posto em causa?
JO: A situação económica prejudicou o desenvolvimento normal e recuperação dos investimentos em novos produtos não tanto por dificuldades de acesso a crédito, mas mais pelo mercado de consumo não ter evoluído no sentido de privilegiar a qualidade e conveniência. Conquistamos posições, mas não crescemos tanto e tão depressa como desejaríamos. Mas a inovação implica sempre uma certa capacidade de persistência e uma visão de longo prazo. O investimento em I&D seria de facto posto em causa se a direção da empresa não tivesse essa visão de longo prazo e assertividade nas convicções do potencial
das inovações desenvolvidas.
Ao contrário do que a pergunta sugere, julgamos que a aposta na inovação foi um fator que favoreceu mesmo o acesso ao crédito, pela visão estratégica demonstrada pela empresa e reconhecida positivamente pela banca.
Por outro lado, a Agência de Inovação e os programas de I&D orientados para a indústria que ela gere tiveram também um papel muito importante para manter sempre viva uma atividade mínima de I&D, mesmo durante os piores momentos da crise.
TA : Das variedades que a Ernesto Morgado comercializa, todas são produzidas internamente?
JO: Tudo o que comercializamos é feito por nós, em maior ou menor medida. Há arroz que desde que foi semeado até que esteja já pronto a comer numa refeição Pato Real Minuto é só nosso, mas também há arroz que só limpamos, selecionamos e embalamos, há diversas situações. Por exemplo, o arroz carolino e agulha europeu são “internos” desde o descasque, e algum já desde o campo; o agulha estrangeiro cresceu e foi descascado fora,mas é selecionado por nós e ainda branqueado, etc. Não temos nenhum produto feito por terceiros que apenas comercializemos.
A linha de produtos prontos (PR Minuto) é toda inteiramente feita por nós e com arroz nosso, claro que o resto dos ingredientes (legumes, carne, peixe, etc.) são comprados localmente.
TA : Para estabelecer o produto Pato Real Minuto foi necessário estabelecer parcerias com outras empresas da indústria alimentar? Quer-nos contar um pouco da história de criação deste produto?
JO: Este produto foi um objetivo definido na reorientação estratégica e modernização da empresa iniciada em 2005. Qual a evolução previsível dos mercados e que tipo de produtos deveríamos ter para a acompanhar? Pareceu lógico, face às alterações demográficas e de hábitos de consumo, que quem fornece arroz para o consumidor cozinhar, fornecesse também o já cozinhado: valor de conveniência e serviço, sobretudo se já completo com refeição e tudo.
O desenvolvimento do produto assentou em três premissas: –
– Valor de diferenciação: conseguir produtos adaptados ao paladar português que beneficiassem do saber da rica gastronomia nacional.
– Limitação: não estávamos interessados em produtos que obrigassem a rede de frio, que não tínhamos e que encarece ainda mais os custos de distribuição e venda.
– Problema: as tecnologias de conservação possíveis são passíveis de deteriorar a qualidade do produto muito significativamente.
Tínhamos assim um objetivo científico-tecnológico bem definido: conseguir boa qualidade, apesar do processo de conservação. Identificamos também a área do conhecimento onde haveríamos de procurar soluções: uma mistura entre tecnologias de conservação, ciência dos (bio)materiais (estruturação molecular) e o inesgotável manancial da experiência culinária de um povo muito experimentador… Felizmente fomos bem sucedidos, a qualidade que conseguimos obter com o processo que desenvolvemos ultrapassou as expectativas e penso que somos a única empresa no mundo a ter produtos de longo prazo de validade feitos com arroz de variedade japónica (carolino) não vaporizado. Em termos de parcerias, tivemos um bom relacionamento com as empresas fornecedoras de material de embalagem, o que foi muito importante, dado sermos em termos internacionais um cliente muito pequeno. Temos também uma muito boa relação com fornecedores de alguns dos ingredientes, mas não temos ainda dimensão de compras para muitas parcerias. Em termos de parcerias para a inovação são também fundamentais os relacionamentos com instituições de I&D, no nosso caso, desde o princípio, a Universidade Nacional da Irlanda (Colégio de Cork), onde aliás sou professor, e em Portugal tivemos/temos também projetos com várias instituições (Escola Superior Agrária de Coimbra, Universidade Católica, Universidade de Aveiro, Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária).
TA : O Produto Pato Real Minuto é o único produto de refeições instantâneas a usar arroz carolino. Porquê? A solução encontrada está protegida? Foi um resultado direto da I&D da Ernesto Morgado?
JO: Conforme referido antes, a razão do desafio tecnológico em usar arroz carolino não vaporizado é a mesma do arroz ser o preferido para certos pratos tradicionais portugueses. O carolino pertence à variedade japónica (o agulha é da variedade índica) que tem baixo teor de amilose (cadeias lineares) e elevado de amilopectina (cadeias ramificadas). Isto dá-lhe duas características especiais: absorve muito bem o sabor de onde é cozinhado e liberta uma goma cremosa muito apreciada em certos pratos: é pois o ingrediente de eleição para receitas como o arroz de tomate, marisco, paelha e risotto. Tecnologicamente, é muito ingrato de usar em processos de conservação: congelado ou esterilizado termicamente fica uma bola empapada desagradável. Ao vaporizar, faz-se uma pré-gelatinização do amido e esse arroz vaporizado, carolino ou outro, não empapa e resiste a tudo mas, por outro lado, absorve pouco ou nada de sabor e não liberta goma.
A proteção do processo é o “segredo” e o contínuo avançar do conhecimento (já sabemos fazer mais coisas agora do que na altura), sendo realistas: não há condições para patentear. Fazê-lo iria revelar a qualquer empresa em qualquer parte do mundo como fazer o mesmo sem que tenhamos qualquer capacidade de assumir os elevadíssimos custos legais de proteger a solução caso houvesse um infrator – precisaríamos de ter as margens das farmacêuticas para poder fazer isso! Há ainda mais pormenores, um pouco longos de explicar, que tornam a proteção via patente pouco atrativa ou viável para nós.
TA : Na última década, a Ernesto Morgado investiu numa reestruturação da Unidade de Moagem, certo? Em que medida aumentou a eficiência na produtividade?
JO: Houve um aumento significativo da produtividade no descasque e branqueamento, algumas melhorias e novos equipamentos, que se traduziu numa melhor qualidade do arroz branqueado, mas o maior salto foi dado na área do embalamento, que antes era semi-manual e produzia embalagens de formato antiquado e hoje é automatizada e robotizada, e produz embalagens de formato moderno. Atualmente, temos um controlo em tempo real de todo o processo, integrado com os sistemas de qualidade que foram também implementados com essa reestruturação. Foi, de facto, um investimento muito significativo, quer em aumento de capacidade produtiva, quer de índices de produtividade, quer ainda do produto final.
TA : A Ernesto Morgado investiu também na contratação de mão de obra altamente qualificada. Quais as principais áreas de conhecimento dos colaboradores da empresa?
JO: Temos neste momento licenciados nas áreas de Marketing e Comercial, Engenharia (Alimentar, Química e Mecânica), Nutrição e Direito, sendo que, destes, 3 têm ainda doutoramento. No entanto, é importante notar que mão de obra altamente qualificada deveria considerar também que certas funções nesta área exigem um grande nível de conhecimento e de experiência para além de formações académicas. Em funções chave na produção, operação, manutenção e ligação à agricultura, temos a felicidade de contar com colaboradores altamente qualificados, com conhecimento e experiência que não se consegue obter numa licenciatura ou doutoramento.
TA : Estão a considerar a entrada em novos mercados? Têm algum novo produto que lançarão em breve?
JO: Iniciamos um processo de internacionalização com presença em feiras internacionais e conquistamos já alguns clientes no estrangeiro. Pensamos que é uma área muito importante para o crescimento da empresa, sobretudo para os novos produtos que estão confinados, no Portugal da crise, a nichos de mercado. Vamos lançando novas referências, de marca nossa ou do cliente, nas linhas de produtos prontos a comer. Neste momento não diria mais nada, embora tenhamos novidades em carteira. Estamos também a começar a ter presença com estes produtos em máquinas de vending: por exemplo, brevemente, veremos uma máquina dispensadora automática de Pato Real Minuto no aeroporto de Lisboa. Pensamos que o nosso produto tem potencial para expandir mais nestes canais e também para soluções de catering.