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Revista TecnoAlimentar

Desafios e oportunidades das cadeias de abastecimento

No seguimento do primeiro debate da CONSULAI relativo à Agricultura em tempo de crise, que se focou no futuro perante a situação atual, decorreu, dia 21 de abril, o segundo debate, desta vez centrando-se nos desafios e oportunidades das cadeias de abastecimento.

Mercados

Por: Sofia Cardoso

Eduardo Oliveira e Sousa, Presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), Jorge Henriqueres, da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) e Isabel Barros, Presidente da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), foram os oradores do debate, que contou com a moderação de Pedro Santos e Luis Mira da Silva, da CONSULAI.

«Não teria uma perspetiva tão pessimista de tanta rutura, de tantos canais sobrelotados», começou por explicar Isabel Barros, quando questionada sobre a a situação da distribuição. «Eu acredito que, quer a distribuição, quer a indústria agroalimentar,bem como os nossos produtores e agricultores, são, de facto, muito resilientes. Trabalhamos há muito tempo em parceria e tivemos uma capacidade de adaptação brutal aos tempos que estamos a viver. Há cerca de quatro semanas fomos atingidos por esta epidemia, mas conseguimos reagir rapidamente», realça, referindo que as parcerias «não são de agora» e por isso estão na fase de «colher os frutos» dessas relações, que estão a funcionar de forma positiva perante o contexto atual. 

A nível da distribuição, a presidente da APED explicou que foi necessário «realizar grandes adaptações e investimentos, nomeadamente ao nível da segurança, da limpeza das pessoas. Estamos a enfrentar a situação com empenho, mas tudo isto tem um custo enorme, que não é visível, mas existe». Isabel Barros mostra-se satisfeita por a situação em Portugal não ter alcançado o ponto de rutura que se vivenciou em Itália e no Reino Unido, onde se encontravam prateleiras vazias, refletindo que tal não aconteceu devido ao esforço conjunto de produtores e distribuidores, bem como ao aprivisionamento.

Sobre a expressão atual do canal online, esta acredita tratar-se de um «período sem precedentes, visto que «a expressão do on-line no canal alimentar não era significativa e, de um momento para o outro, passa a ser o canal preferencial de compras para os portugueses», o que levou a uma alteração nos transportes. Contudo, apesar dos problemas, a presidente da APED afirma que a situação levou à inovação. «Temos operadores que não tinham uma cadeia online montada e que, provavelmente, para entrarem neste canal, levariam meses ou anos e, em semanas, conseguiram criar operações inovadores desse ponto de vista», elogia. Quanto ao canal Horeca, o «período é crítico», apesar das parcerias realizadas.

«É importante que estejamos conscientes que Portugal não poderá ser autosuficiente em certas matérias-primas»

«Provavelmente, não teriamos esta saída no setor agroalimentar, produção agrícola, indústria e distribuição se, nos últimos anos, não nos estivessemos conseguido aproximar de uma maneira tão notória», iniciou Jorge Henriques, da CIP, indo de encontro às palavras de Isabel Barros. «Essas parcerias ajudaram a mitigar alguns problemas que surgiram», como a procura inusitada das primeiras semanas. Segundo o representante, tal demonstra como a «cadeia alimentar tem vindo a afinar os seus processos».

«É importante que estejamos conscientes que Portugal não é, e não poderá ser, autosuficiente em certas matérias-primas», realça. «Contudo, a agricultura nacional, perante os desenvolvimentos dos últimos anos e com as parcerias que têm acontecido entre os tecidos industriais e agrícolas, tem conseguido chegar, em muitas situações, a uma autosuficiência no abastecimento das matérias-primeiras, que é esse o principal objetivo que a indústria agroalimentar tem que ter. O objetivo que temos que agilizar neste momento consiste em aprofundar parceiras com os dois canais, o da distribuição e o da produção primária. Um objetivo fundamental é produzirmos localmente o que, em muitas circunstâncias, ainda importamos sem necessidade. Podemos produzir muitos produtos que ainda importamos e podemos acelerar a abertura de canais às exportações. Isto foi o que esta cadeia foi criando ao longo dos ultimos anos», conclui.

Jorge Henriques destaca, ainda, que «o setor foi confrontado com uma derrocada imensa», explicando que o e-commerce, infelizmente, não substitui o encerramento do canal Horeca. Segundo Jorge Henriques, «ecuperar todo este setor, como é o caso da hotelaria e restauração, vai ser «um trabalho que irá necessitar de todo o empenho desta fileira, porque restabelecer a confiança perdida ao longo destas semanas não será fácil». 

«Havia uma economia global que dificultava o encolher da descarbonização»

Eduardo Oliveira e Sousa começou a sua intervenção por destacar, também, a importância das relações criadas entre os diferentes setores, afirmando que «ganham mais estando juntos», do que permanentemente em situações de afastamento. 

«O setor exportador está a sofrer porque a exportação em si encontra-se com contornos totalmente diferentes, em particular as exportações para destinos mais longínquos, principalmente os que estavam a ser conquistados agora», explica o presidente da CAP, dando o exemplo do vinho nacional, que tem vindo a conquistar os mercados asiáticos e que, não sendo um bem primário, encontra-se com «problemas graves». 

O responsável da CAP abordou as dificuldades do setor das flores, que foi o primeiro a sofrer as consequências desta pandemia, face à quebra nas exportações e ao cancelamento de eventos. O setor dos pequenos frutos é outro que está a ser abalado, visto que, «a maioria da sua exportação era direcionada para mercados que, neste momento, estão muito contraídos ou fechados», explica. 

Eduardo Oliveira e Sousa acredita que, no âmbito da globalização que se viveu até então, vai existir um mundo diferente após esta pandemia. «A libertação das trocas comerciais trouxe para a realidade diária das empresas, sejam elas produtores agrícolas ou do comércio, uma guerra comercial, uma concorrência comercial anormal que, há 20 anos, era impensável. É por isso encontramos, em todo o lado do mundo, produtos idênticos», destaca. 

Agora, o presidente da CAP acredita que o paradigma se vai alterar. «Havia uma economia global que dificultava o encolher da descarbonização e, com esta situação que estamos a viver, verificamos que é possível descarbonizar mas, para isso, os negócios têm que se realizados de outra maneira», incentivando ainda à divulgação e proteção do produto português.

O consumidor e a PAC

Após a última intervenção do presidente da CAP, iniciou-se o debate pelas palavras de Isabel Barros, que acredita que «o consumidor não vai sair desta experiência igual» e que a indústria já está a trabalhar em conjunto para mitigar os efeitos de tal. Relativamente às práticas sustentáveis, a presidente da APED começa por destacar que a produção portuguesa não é autosuficiente, mas que a indústria sabe que «cadeias de abastecimento mais curtas, são cadeias mais sustentáveis», algo que se reforçou aquando do surgimento da Covid-19. Isabel Barros afirma ainda que se trata de um «mito» afirmar que o pequeno produtor não pode vender para a grande distribuição.

Jorge Henriques lembrou de como a indústria se conseguiu adaptar às regras «apertadas» da União Europeia e se transformou num setor «capaz de responder a desafios importantes», acreditando que as empresas portuguesas vão ser capazes de se reinventar nesta fase, tal como acredita a presidente da APED. 

Eduardo Oliveira e Sousa aproveitou o momento de debate para abordar o futuro da próxima PAC, afirmando que ainda não sabe como será, mas que esta é «extremamente necessária» para ajudar a recuperar os produtores. «Quando falamos em autosuficiência e autoabastecimento temos que pensar na União Europeia, porque Portugal, tal como foi bem referido pelos oradores, nunca será autosuficiente sozinho. Contudo, poderemos chegar a esse estatuto em termos de valor».

Artigo originalmente publicado no Portal Agronegócios