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Revista TecnoAlimentar

A evolução das conserveiras nacionais - Aliança entre a inovação e a tradição

Como todas as indústrias, a conserveira tem vindo a debater-se com palavras como inovação e sustentabilidade. Tratando-se de um produto alimentar de grande durabilidade e natural, as potencialidades da conversa para os dias de hoje são maiores que o expetável. É importante compreender como as empresas de conservas nacionais percebem e implementam os conceitos e o que acham importante manter. Ao contrário do que se poderia esperar, e um pouco contra a tendência do mundo atual, tradição é a palavra de ordem.

Conservas

Por: Sofia Cardoso 

Inovação e sustentabilidade são palavras que nos surgem diariamente. Para compreendermos a evolução das conserveiras nacionais, é essencial perceber como as empresas têm lidado com a evolução dos conceitos nos últimos anos. Afinal, como reage uma empresa tradicional à inovação dos dias que correm? Tiago Cabral Ferreira, um dos sócios da Conserveira de Lisboa, afirma que «a indústria tem tido uma capacidade enorme de acompanhar os tempos. Tem havido um aumento crescente no interesse por produtos saudáveis e sustentáveis e as conserveiras têm acompanhado esse interesse, através da inclusão de novos produtos e novas espécies nos seus catálogos».

O marketing e o design também representam uma das maiores preocupações das Conserveira Lisboa, mencionando a atração atual do público pelo tradicional e o vintage. O mesmo acontece com a COMUR – Fábrica de Conservas da Murtosa, que defende existir «um equívoco generalizado sobre o que deve ser a inovação na indústria». Ângela Fernandes, representante da empresa, afirma que, em Portugal, ainda se confunde a inovação com a automação. «Uma indústria pode ser altamente inovadora sem que tenha que ser intensivamente maquinizada. A inovação num setor como as conservas pode fazer-se de inúmeras outras formas, seja pelo design da embalagem, pela criação de novas receitas ou até pelo regresso a fórmulas de produção de há décadas».

Rodrigo Souza, da Conservas Portugal Norte e Briosa, defende a «constante transformação e adaptação» da indústria que tem acontecido nos últimos anos, muito pela vertente explorada por Ângela Ferreira. «Nascemos como uma indústria virada para esforços de guerra e hoje produzimos para lojas de produtos gourmet, delicatessens e garrafeiras premium. Esta transição não veio por acaso, mas sim da nossa capacidade de repensar e voltar desenvolver os nossos produtos com o intuito de agradar palatos cada vez mais exigentes».

Como em todas as empresas, a inovação e a sustentabilidade estão bem presentes na mente dos trabalhadores do setor, que têm plena consciência que precisam apostar nos mais diferentes âmbitos para continuarem à tona.

Em relação ao tópico da sustentabilidade, o representante da Conservas Portugal refere o exemplo do que acontece atualmente com a sardinha. «Dando o exemplo da sardinha, que no seu habitat atlântico tem sofrido uma redução da biomassa existente, podemos dizer que, em conjunto com o setor das pescas e com a introdução de quotas de pesca no ano de 2019, já se pôde verificar alguma recuperação, validando, deste modo, os cuidados tidos com o consumo desta espécie que devem ser para manter. Tem havido também um grande esforço de promoção do consumo de outras espécies como, por exemplo, do carapau que será, por ventura, uma das melhores formas de garantir a sustentabilidade dos stocks de peixe no oceano».

Ângela Fernandes e Rodrigo Souza concordam com esta ideia. A representante da COMUR realça que «a questão central no setor conserveiro prende-se, sobretudo, com o problema da sustentabilidade das várias espécies de pescado, no nosso caso com particular enfoque na sardinha. Nós somos acérrimos defensores de uma política equilibrada de gestão do pescado do nosso oceano, porque é fundamental garantirmos que as gerações vindouras terão acesso às mesmas riquezas que nós hoje temos. Ademais, esta é uma limitação que vem ajudar à valorização do produto, sobre o qual existe hoje uma consciência de raridade que, noutros tempos, não houve».

Já Rodrigo Souza afirma que «a sustentabilidade dos mares foi e sempre será uma grande preocupação da indústria. Como tal, houve uma grande diversificação nos peixes usados, a aposta no pescado proveniente de capturas sustentáveis e adaptação da produção nas alturas do defeso». Defende ainda a aposta na sustentabilidade ambiental. «Ainda este mês, a nossa eletricidade passou a ser 100% proveniente de fontes renováveis».

As inovações nos diferentes contextos

Atualmente, a aposta da inovação é uma constante por parte das três conserveiras nacionais. Um ponto comum a todas é a aposta na diversificação dos seus produtos e embalagens, bem como a tentativa de elevar o padrão de qualidade.

Na Conserveira de Lisboa introduziram recentemente conservas de dourado e xalapa. Esta introdução foi realizada em forma de «petiscos ou pequenas saladas que permitem o aproveitamento de uma maior percentagem do peixe, diminuindo, com isso, o desperdício. Introduzimos também peixes de rio no nosso catálogo como o lucioperca, achigã e carpa. No caso do achigã, que tem sido uma espécie invasora dos nossos ecossistemas fluviais, o seu consumo é inclusive benéfico para o equilíbrio dos ecossistemas», conclui Tiago Cabral Ferreira.

«Tem havido um maior cuidado com o marketing e com o design dos produtos apresentados. Temos assistido ao desenvolvimento de novas apresentações para os produtos, assim como um design mais cuidado e interessante. Esse design tem também acompanhado, de certa forma, um certo revivalismo de conceitos vintage, tradicional, kitsch». Ainda neste âmbito, em 2013 a Conserveira de Lisboa, em parceria com a Inês Eva, apresentou o projeto “Música com Lata”. O objetivo passou por convidar treze músicos portugueses para desenvolverem o design de uma lata de conserva à sua escolha. Cada uma foi lançada em edição numerada e limitada de quinhentas latas. O projeto foi bem-sucedido.

Algo igualmente importante para a Conserveira de Lisboa são as candidaturas a projetos de investigação ligados à economia circular e azul. Estas apresentam-se como áreas muito focadas na sustentabilidade e redução de desperdícios na indústria. «Atualmente somos parte integrante do consórcio do projeto Neptunus – Water-Energy-Seafood-Nexus: Eco-innovation and Circular Economy Strategies in the Atlantic Area», realça.

Já na COMUR, as recentes inovações passam por apostar na comunicação adequada para o público que procura satisfazer. «Na nossa opinião, o setor careceu durante muito tempo de uma linguagem de comunicação adequada à extraordinária nobreza do produto, pelo que o nosso foco incidiu, sobretudo, nessa tentativa de comunicar adequadamente o que está dentro de cada lata», afirmam. «Como tal, lançámos várias coleções, com apelos distintos, mas com um objetivo em comum, que passa por transmitir na embalagem a qualidade do que lá está dentro».

Sobre as novas inovações, o assistant manager da Conservas Portugal Norte e da Briosa refere o que já se apontou anteriormente: a aposta na qualidade de novas gamas. A mais recente foi a gama Dama. «Pretendemos, em 2020, lançar alguns novos produtos», começa por explicar Rodrigo Souza. «Em 2019 tivemos o lançamento das nossas Sardinhas Porthos em molho Teriyaki, um produto pensado para o mercado do extremo oriente, onde a marca Porthos é forte, mas que também tem tido uma ótima adesão no mercado gourmet nacional, europeu e norte-americano, para nosso espanto. Ainda em 2019 lançámos também uma edição limitada para a Briosa Gourmet e a Briosa Regiões, onde desenvolvemos cinco novas receitas, sendo cada uma representativa de uma região de Portugal. Uma delas, a raia em molho Pitau, que foi a primeira utilização conhecida de raia em conserva».

A aposta das empresas é realizada na qualidade do seu produto bem como no aspecto estético. Mas como se adaptam aos novos hábitos de consumo?

Continua

Nota: Artigo publicado originalmente na Tecnoalimentar 22.

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