A estratégia de internacionalização do setor agroalimentar e as novas tendências para 2020
A PortugalFoods apresentou as principais tendências para o setor agroalimentar em 2020. O naturalmente funcional, a sustentabilidade, a fragmentação do mercado e a snackification surgem como as principais áreas de interesse do consumidor.
Texto e Fotos: Sofia Cardoso
O evento aconteceu ontem, 30 de janeiro, no Auditório do TecMaia – Parque de Ciência e Tecnologia da Maia e contou com uma adesão significativa. Esta foi a 9.ª edição deste evento, o qual é reconhecido como um importante momento de atualização e debate entre indústria e especialistas de business intelligence, em prol da aplicação das tendências ao desenvolvimento de novos produtos e/ou serviços por parte da indústria agroalimentar nacional.
«Cada empresa deve decidir por si onde quer estar e como quer contribuir»
Após a abertura da sessão por parte da Professora Manuela Vaz Velho, que realçou os aspetos mais importantes do acontecimento, Pedro Vieira, da Porto Business School, apresentou a Estratégia de Internacionalização do Setor Agroalimentar 2019-2021 da PortugalFoods.
O investigador começou por realçar que o ponto de partida foi o documento Portugal Excecional, utilizado entre 2012 e 2017. «O desafio foi revisitar o documento para poder detalhar a evolução das exportações do setor durante esse período, analisar as forças e fraquezas do setor e também as oportunidades e ameaças, definindo mercados prioritários e pilares estratégicos», resumiu Pedro Vieira. Os trabalhos iniciaram-se em 2018 e contaram com questionários e entrevistas a mais de 143 empresas e diversas associações do setor. Após a definição dos aspetos mais metodológicos do estudo, Pedro Vieira apresentou o exemplo dos vinhos de uvas frescas, realizando em seguida uma análise do panorama geral das exportações nacionais, tendo por base os resultados do estudo.
Como mercados importantes para Portugal surgem a União Europeia, nomeadamente a zona da Europa Ocidental e o Norte da Europa. A Espanha revela-se uma aliada essencial das exportações portuguesas. Em seguida, o investigador destacou a importância dos países africanos que falam a língua portuguesa e do Brasil. Revelam-se como outros mercados relevantes para a exportação nacional os EUA, Canadá, China, Macau, Japão, Golfo, Marrocos, Argélia, Egito, México, Colômbia, Singapura, Indonésia, Austrália e India.
Das noções mais importantes retiradas do estudo, Pedro Vieira referiu que «as empresas portuguesas apostam e estão mais focadas na consolidação de mercados e menos em aventuras. A maioria das empresas nacionais não exportam e a grande maioria das que o fazem, exportam para um ou dois mercados”.
O investigador da Porto Business School deixou a dica importante de que, para as empresas nacionais, é essencial «apostar na diferenciação, mas também nos custos. Ainda há um conjunto de empresas que têm que pensar obrigatoriamente no custo, principalmente as de cesta básica; as que estão a vender para mercados próximos ou países africanos de língua portuguesa; e empresas que sempre tiveram muita facilidade em vender um produto e não fizeram esforço para o valorizar, o que é uma vantagem temporária e que vai acabar por se esgotar. Temos que trabalhar na valorização para alcançar a diferenciação.»
Para concluir, Pedro Vieira apontou os pilares de sustentação estratégica para o novo documento. Na base da estrutura surge o conhecimento. «Temos que saber mais sobre mercados, tendências de produto, distribuição, logística e padrões de consumo», apontou, realçando o contributo da criação do radar internacional de mercados por parte da PortugalFoods.
Em seguida surge a capacitação. «As empresas precisam de quadros mais capacitados em marketing internacional e vendas, além de realizar uma aposta em e-commerce e marketing digital, entre outros», afirmou. Em relação ao terceiro pilar, a cooperação, o investigador acredita ser essencial «uma maior partilha de informação, experiências e contactos de mercados internacionais» entre as empresas portuguesas. Pedro Vieira defende que é essencial apostar na complementaridade e na união entre as empresas, desenvolvendo novos produtos, canais de distribuição, comercialização, sustentabilidade, entre outros.
Em quarto lugar surge a diferenciação. «Somos Mediterrâneo, somos Atlântico. Como nos diferenciamos? Quando aborda mercados mais afastados, o setor agroalimentar deve apostar num posicionamento próximo dos países associados à dieta mediterrânica. Quando aborda os mercados mais próximos em termos geográficos ou culturais, o setor deve afirmar a sua diferenciação face a esses mesmos países». O orador referiu ainda que as empresas nacionais devem apostar na criação de uma relação emocional que gere confiança. «A maioria dos países do mundo ganha confiança porque cria uma relação e nós somos bons a fazer isso», defendeu.
O quinto pilar consiste na valorização, principalmente ao nível dos produtos que foram considerados indiferenciados e que ainda competem pelo preço, como no âmbito da charcutaria. O sexto pilar relaciona-se com a inovação, que «não deve acontecer só ao nível do produto, mas sim nos serviços, processos, na investigação e no desenvolvimento», defendeu, acrescentando ser «essencial aproximar as empresas à academia».
Pedro Vieira revelou o sétimo pilar como a sustentabilidade, que é essencial ao nível de todos os setores, seja a sustentabilidade ambiental, energética, económica ou social. O oitavo pilar relaciona-se com o acesso ao mercado, muito conectado à questão da cooperação empresarial. O nono pilar surge no âmbito da imagem, sendo necessário consolidar a respetiva de acordo com o seu posicionamento e a sua proposta de valor. «Comunicar de uma forma mais integrada, através de campanhas de educação e informação junto do consumidor, realizando uma coordenação e gestão de meios e recursos, que são limitados, e firmando uma associação ao turismo», referiu. O último pilar apresentado relaciona-se com a promoção internacional, que deve trabalhada desde os compradores, passando pelos prescritores e chegando ao consumidor final.
Pedro Vieira concluiu a intervenção afirmando que «cada empresa deve decidir por si onde quer estar e como quer contribuir, em que pilar deve trabalhar» e que o objetivo para as exportações do setor para 2021 situa-se entre 6600 e 6750 milhões de euros.
As mega tendências alimentares para 2020
Joana Maricato, keynote speaker do evento e market research manager na consultora londrina New Nutrition Business, apresentou as tendências alimentares para o ano corrente, dividindo as respetivas em quarto mega tendências e em dez tendências gerais. Em primeiro lugar, surgem as mega tendências.
Naturalmente funcional
Esta mega tendência está muito presente nos últimos cinco a seis anos. A oradora explica que «o consumidor começou a procurar nutrientes naturalmente saudáveis em vez de procurar científicos», como acontecia no passado. «Todos querem ingredientes e alimentos que tenham benefícios naturais e intrínsecos», passando por ingredientes em voga como o abacate, o azeite, o húmus, as amêndoas, o iogurte grego, entre outros. Esta é uma tendência em todas as faixas etárias, visto que os consumidores querem incluir mais produtos hortícolas e de forma mais conveniente nas suas refeições diárias, reconhecendo a importância funcional dos respetivos.
Fragmentação do mercado
«Hoje em dia, é mais difícil desenvolver um produto em massa para o mercado», começa por explicar Joana Maricato. Como tal, procede-se à fragmentação do mercado em nichos, pois várias pessoas identificam-se com estilos de alimentação distintos. Na sequência de tal identificação, cada pessoa desenvolve o seu sistema de crenças e preferências e cada uma realiza a sua pesquisa para compreender questões relacionadas com a saúde, dieta e nutrição. «Hoje em dia, mais de 50% das pessoas informa-se online sobre um produto e só depois procura um nutricionista», realçou, concluindo que a fragmentação é essencial pois «é muito difícil ter um produto de mercado que agrade 90% das pessoas. Há que fazer produtos para os nichos», daí esta se tratar de uma das maiores tendências atuais.
Sustentabilidade
Atualmente a sustentabilidade é uma das palavras mais presentes na mente do consumidor. Não é então de estranhar que esta se revele como uma mega tendência para 2020. A empresa pode preocupar-se ao nível da embalagem, desenvolvendo opções para quem procura algo sustentável para o ambiente; ao nível upcycling, que consiste numa reutilização criativa de resíduos; e ao nível da agricultura regenerativa, que se baseia numa gestão holística da terra arável.
Snackification
A última mega tendência surge em língua inglesa mas acaba por consistir em «oferecer produtos com conveniência, de uma maneira fácil e rápida», nomeadamente, através de snacks. Atualmente estes revelam-se como uma constante no mercado e apresentam-se nos mais diferentes formatos. Além disso, vários são os produtos que podem ser transformados em snacks nos dias correntes. Segundo Joana Maricato, «os consumidores estão cada vez mais abertos a experimentar snacks inovadores e diferentes». Uma análise realizada por 150 marcas revelou que as marcas de snacks tinham 60% de sucesso no mercado, um valor mais elevado do que em qualquer outra categoria.
Desde a saúde digestiva, ao consumo de gordura
No âmbito das tendências alimentares mais categorizadas, em primeiro lugar surge-nos a preocupação do consumidor com a saúde digestiva. Esta é uma das tendências que ganha mais destaque, com os consumidores a preocuparem-se com o glúten, a lactose, as fibras, os produtos fermentados, entre outros. Neste âmbito surge o leite A2, lançado em 2004 pela start-up A2 Milk Company. Esta proteína é ideal para as crianças e para quem tem problemas com a digestão de produtos lácteos.
A segunda tendência são os hidratos de carbono. Joana Maricato afirmou que que existe um aumento da dieta low carb, que tem ganho muita popularidade junto dos consumidores das diferentes faixas etárias. Nos últimos anos, tem existido uma concentração da indústria em reduzir os hidratos de carbono dos seus produtos.
Surge então a tendência plant-based. «Não é acerca de toda a gente se estar a tornar vegetariano ou vegan, mas é acerca de toda a gente querer incorporar leguminosas e outros na sua dieta», afirmou a oradora. Contudo, se por um lado há o consumidor mais interessado em assumir este regime alimentar, por outro lado há o consumidor que aprecia carne e quer continuar a consumir a mesma, apesar das várias questões em torno desta para a saúde e a sustentabilidade. Esta é uma das questões que mais conduz à fragmentação do mercado.
A quarta tendência relaciona-se com o açúcar, nomeadamente com a redução do respetivo. Cerca de 60% dos europeus admite estar a tentar reduzir o consumo de açúcar. Como tal, as empresas podem adotar diferentes estratégias, passando pela redução geral, a utilização de açúcares mais naturais, a utilização do açúcar como energético ou a apresentação do açúcar enquanto guilty pleasure. Atualmente existem muitos exemplos, como os leites vegetais, as barras de proteínas com açúcares mais naturais e os produtos que usam a energia como mensagem.
A quinta tendência surge no âmbito do consumo de proteína. «A proteína é uma tendência mais forte em alguns mercados, como os EUA e a Europa do Norte. Em Portugal têm acontecido uns picos de interesse», conta-nos a investigadora. As marcas podem usar proteína vegetal, a oferta de produtos com carne em snacks, proteína láctea e substitutos de carne. Já a sexta tendência relaciona-se com o consumo de gordura. Nesta perspetiva, o consumidor acredita que há gorduras que podem ser saudáveis e que não se deve ter medo total aos produtos com alto conteúdo de gordura. Atualmente mais de 30% dos consumidores está a tentar comer mais gorduras saudáveis «Os consumidores querem continuar a consumir alguns produtos com gordura tendo por base uma alimentação saudável e variada», conclui Joana Maricato.
A sétima tendência é a carne a sua reinvenção atual por parte das indústrias. É identificado, pela primeira vez, o potencial crescimento do setor da carne, nomeadamente ao se diferenciar pelas soluções alternativas deste produto e que estejam alinhadas com as preferências do consumidor. Esta tendência relaciona-se em larga escala com a perspetiva plant-based. «A perceção que o consumidor tem da carne enquanto uma proteína saborosa e de elevado valor biológico está a impulsionar a reinvenção da carne e irá assegurar o seu lugar enquanto elemento de uma refeição e como um snack», afirmou Joana Maricato.
O oitavo tópico relaciona-se com a origem e autenticidade dos produtos. Os consumidores procuram transparência total e controlo da qualidade, exigindo conhecer cada especificidade do que consomem. Esta questão da origem começou na cerveja, está a revolucionar a padaria e agora o setor dos queijos tem tirado o seu partido. Os consumidores querem produtos de qualidade superior e associam produtos de determinada origem a tal.
A penúltima tendência é a energia 2.0. «O segmento de energia foi denominado durante muito tempo pelas bebidas energéticas. São um produto que continua a crescer mas, hoje em dia, já há possibilidade dos consumidores procurarem essa energia em produtos diferentes», apresenta Joana Maricato, destacando a oferta da cafeína.
A última tendência relaciona-se com o mood. «Agora existe a consciência de que há uma saúde física e há uma saúde mental, que muitas vezes estão associadas. É importante encontrar maneiras de ajudar ambos», destacou. Dentro dos ingredientes mais utilizados neste âmbito surgem os extratos de CBD.
A aplicação da teoria à prática
Após a palestra de Joana Maricato, Teresa Carvalho, da PortugalFoods, apresentou o papel da Knowledge Division na inovação do setor agroalimentar. Durante a apresentação, a oradora destacou os principais contributos da organização para os seus associados e para o setor agroalimentar, destacando iniciativas como a criação do radar para os mercados internacionais, o projeto MobFood e outras.
Para encerrar o evento, quatro empresas apresentaram a sua aplicação das tendências ao portefólio de produtos.
Miguel Dias, da Salsicharia da Gardunha destacou as dificuldades sentidas pelo setor da charcutaria, muito devido à recente peste suína africana que despoletou na China. «Somos obrigados a inovar porque somos vistos como um setor que não o sabe fazer. Por todos os problemas do setor, decidimos inovar tendo por base quatro pilares importantes: tradição, sabor e aromas; tecnologia adaptação; adaptação aos novos formatos; e adaptação ao conhecimento dos consumidores», destacou. O orador apresentou o produto “Bica-Pica”, que consiste em snacks e chips de frango e peru e que se tem revelado um sucesso. »Somos um momento do dia, uma novidade saborosa em qualquer altura do dia», conclui.
David Francisco, da Gelpeixe, destacou que atualmente a empresa «pensa muito no consumidor aventureiro, que procura uma experiência, que quer algo diferente», ao contrário do que acontecia há alguns anos. «Quando começamos a fazer exportação há 15 anos, fomos confrontados com países que nem tinham tradição de peixe. Tivemos que estar atentos a outras partes do peixe», conta. «Com percepção que fomos ganhando, fomos estando atentos às mudanças». David Francisco realçou a importância da sustentabilidade para todos os setores alimentares, realçando que «não há forma de não sermos verdes, é impraticável atualmente. No caso da Gelpeixe, mudamos tudo para papel certificado, procuramos espécies com certificação de pesca saudável, entre outros». Além disso, este afirmou que «as pessoas estão cada vez mais ávidas de preocupações comportamentais, não só nutricionais. Querem ter todas as experiências possíveis, mas querem que isso seja consciente e conveniente». Uma das caraterísticas mais relevantes da Gelpeixe é a mentalidade start up, que proporciona agilidade e inovação. O orador concluiu destacando que a parceria entre as empresas e a academia é o futuro, bem como a cooperação entre empresas concorrentes.
Margarida Bacelar, da Cerealis, destacou a utilização da alfarroba por parte da empresa, um recurso que, até então, era pouco utilizado na indústria. Este foi aliado ao relançamento da marca Nacional, que teve a sua imagem renovada em 2016. A oradora destacou a oportunidade que o recurso representa para os produtos com chocolate. O início da utilização acontece em 2016, com a comercialização de farinha de trigo e alfarroba. «Há uns anos o mercado tinha pouca diferenciação e oferta muito reduzida. Isso mudou drasticamente a partir de 2016, com muitas opções a surgirem no mercado. Foi uma boa altura para o relançamento da marca Nacional», destacou. Em 2018 foram lançadas as Bolachas Cookie XL, com a oradora a afirmar «desenganem-se: o açúcar é a principal fonte de energia e precisamos do mesmo». Em 2019, e vocacionado para um segmento mais equilibrado, mais saudável e perfeito para pausas, foi lançado o morning break alfarroba e chocolate, um snack. «Adotamos um ingrediente despretensioso, único, no qual acreditamos e sentimos que foi uma boa aposta na marca, porque os clientes foram muito receptivos», conclui Margarida Bacelar.
Por último, Nuno Guterre, da Nuts original, explicou a curta existência da marca, que realizou o seu primeiro lançamento no ano de 2015. Atualmente a Nuts Original está presente em 27 países, tendo conquistado 13 mercados em 2018, o que representou um crescimento de 94% desde 2017. A empresa conseguiu esta alavanca inicial dada a criação de snacks premium. «O desafio foi sempre criar uma marca para o mercado internacional», afirmou Nuno Guterre. «A ideia foi criar uma marca diferente do que já existia, não apenas um produto. Tivemos muito cuidado com a imagem que criamos, não querendo que o produto passe despercebido na prateleira. O objetivo sempre foi iniciar no mercado premium, nesse nicho». Segundo o orador, o mercado procura conceitos e foi por aí que a empresa procedeu à inovação atual. «A ideia foi criar um conceito e fomos a primeira marca do mundo a criar uma das linhas que temos e que foi pensada para acompanhar as bebidas. Criamos um snack para cada momento e para cada bebida». Atualmente, a Nuts Original também se concentra no mercado de baixo custo e comercializa também snacks vegetais.
O evento encerrou-se com uma mesa redonda, onde os empresários responderam às mais diversas questões sobre as suas marcas. Deolinda Silva, diretora executiva da PortugalFoods, concluiu com uma mensagem de sucesso para o futuro.