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Revista TecnoAlimentar

#Safe2EatEU: entrevista a Filipa Melo de Vasconcelos, Subinspetora Geral da ASAE

Estima-se que cerca de 90% das doenças transmitidas por alimentos sejam provocadas por microrganismos. Estes podem encontrar-se em quase todos os alimentos, mas a sua transmissão resulta, na maioria dos casos, da utilização de metodologias erradas nas últimas etapas da sua confeção ou distribuição. Por forma a capacitar os consumidores europeus para fazerem escolhas alimentares com confiança, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA), em parceria com a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), acaba de lançar a campanha #Safe2Eat 2024. Filipa Melo de Vasconcelos, Subinspetora Geral da ASAE, fala-nos sobre esta iniciativa.

TA: Fale-nos desta iniciativa. Como surgiu?

FV: Este é já o quarto ano da campanha #Safe2EatEU, anteriormente denominada de #EUChooseSafeFood. Segundo um estudo realizado pela EFSA em colaboração com a empresa de estudos de mercado IPSOS em 2023, quase 70 % dos europeus manifestam interesse pela segurança alimentar, no entanto, cerca de 60 % consideram a informação sobre segurança alimentar demasiado técnica e difícil de compreender. Essa foi a premissa para esta nova edição, que pretende comunicar a ciência por detrás da nossa alimentação de uma forma clara e exacta, mas tranquilizadora e compreensível. O objectivo é permitir que os cidadãos tomem decisões bem informadas sobre o seu consumo de alimentos, garantindo a segurança e a saúde nas suas escolhas diárias. A campanha, novamente em parceria com a ASAE para o mercado português, continua assim a centrar-se na capacitação dos cidadãos sobre vários aspectos da segurança alimentar. Tais aspectos incluem as doenças de origem alimentar, as técnicas correctas de manuseamento dos alimentos, a importância de ler os rótulos dos alimentos e a promoção de práticas de redução do desperdício alimentar. Este ano contamos com 18 países participantes. São eles Portugal, Roménia, Chéquia, Hungria, Grécia, Estónia, Croácia, Itália, Letónia, Chipre, Eslovénia, Espanha, Luxemburgo, Eslováquia, Áustria, Polónia, Montenegro e a Macedónia do Norte.

TA: Que estratégias a indústria pode e deve implementar para evitar a contaminação dos alimentos?

FV: A indústria é um dos principais players do agro-alimentar com total interesse e compromisso na rigorosa segurança dos alimentos que são colocados no mercado. São, aliás, os primeiros responsáveis pela segurança dos mesmos. Exemplo disto é a construção de uma estratégia colectiva de suporte à internacionalização e à inovação do sector agroalimentar, com robustos e amplos clusters sectoriais de âmbito nacional.  De salientar que ordenamento jurídico da segurança alimentar europeu é muito robusto cobrindo global e eficazmente toda a fileira, desde a produção primária, passando por quem transforma, transporta, embala, até ao consumidor final. Todo o sistema assenta num conjunto de boas práticas que asseguram a sua imprescindível rastreabilidade, o qual é sujeito a um controlo oficial multinível desde as autoridades competentes nacionais, até à própria CE que audita os Estados-membros. É por isso mesmo, que podemos afirmar que a geografia europeia ao nível alimentar é uma das mais seguras a nível mundial. Os dispositivos legais existentes são exigentes, do conhecimento de todos os actores do sistema que bem aplicam os seus requisitos garantindo adequadamente que os alimentos no mercado são sãos e seguros. A implementação de programas robustos de pré-requisitos e de sistemas baseados nos princípios HACCP devidamente revistos e adaptados à realidade de cada empresa, são assentes em conhecimentos científicos sólidos, e vão, hoje em dia, muito para além de uma simples obrigatoriedade legal, para se constituírem antes como poderosas ferramentas de segurança e garantia da saúde pública.  

TA: E o consumidor final?

FV: Para evitar a contaminação dos alimentos, os consumidores devem adoptar práticas cuidadosas desde a compra até o consumo. Na compra, é sempre importante verificar a integridade das embalagens e as datas de durabilidade mínima, transportar os perecíveis em sacolas térmicas e ir directamente acondicioná-los de forma adequada. Também é importante guardar os alimentos no frigorífico a 4°C ou menos e no congelador a -18°C, mantendo carnes cruas separadas para evitar contaminação cruzada com outros alimentos. Os consumidores também devem sempre lavar bem as mãos, utensílios e superfícies ao preparar os alimentos, utilizar tábuas de corte separadas para carnes e vegetais, e cozinhar os alimentos a temperaturas seguras usando, quando possível, um termómetro de alimentos. A higiene é fundamental.

É também importante refrigerar os alimentos cozinhados dentro de duas horas após confecção e dividir grandes porções para arrefecerem rapidamente. Armazenar sobras em recipientes pequenos e consumir dentro de três a quatro dias. Limpar regularmente o frigorífico e a cozinha, e manter os electrodomésticos em bom estado de funcionamento. Estas práticas, entre outras, garantem a segurança dos alimentos, prevenindo doenças alimentares e promovendo uma alimentação segura.

TA: Que metodologias a ASAE aplica para o controlo da segurança alimentar?

FV: Em função da natureza do controlo a desencadear, a ASAE actua com metodologias diferenciadas e com base em abordagens proactivas e/ou reactivas, definidas num planeamento central que tem em consideração e articula as diferentes especificidades regionais e sectoriais. Naturalmente que é de sublinhar o facto de ser baseado em critérios de risco, alinhado com as melhores práticas europeias e internacionais nestes domínios.

A ASAE assegura a fiscalização do cumprimento da legislação reguladora do exercício da actividade no sector agroalimentar, em toda a cadeia incluindo o comércio electrónico, num verdadeiro princípio de actuação do prado ao prato, procedendo ao planeamento e execução de acções de controlo oficial no âmbito do Regulamento (EU) n.º 2017/625, de 15 de março. A ASAE enquanto entidade gestora do risco, actua sob duas vertentes: a preventiva (proactiva) e a repressiva (reactiva):

·        Actuação proactiva realizando  ações de controlo oficial contempladas quer no Plano Nacional de Fiscalização Alimentar (PNFA), com base no risco estimado e considerando as especificidades regionais, a sazonalidade de determinadas actividades económicas, o tecido económico, os compromissos de cooperação e as recomendações da Comissão Europeia; quer, no Plano Nacional de Colheita de Amostras (PNCA) - que é um plano de controlo oficial por amostragem que tem como objectivo assegurar que os géneros alimentícios disponíveis no mercado português são seguros e não colocam em risco a saúde humana, além de assegurar os interesses do consumidor no que diz respeito à adequada informação da rotulagem e ao combate às práticas fraudulentas.

Sublinho que também este plano é baseado no risco consubstanciado na colheita de amostras de géneros alimentícios colocados no mercado que são sujeitos a determinações analíticas no Laboratorio de Segurança Alimentar da ASAE e sujeitos à avaliação da sua rotulagem.

·        Actuação reactiva – a ASAE desencadeia acções de verificação, inspecção e amostragem no âmbito do RASFF ou outras redes de troca de informações, denuncias/reclamações ou resultante de indicação da Direção, com base em vigilâncias e/ou investigações efectuadas.

Em síntese, qualquer ingrediente de um género alimentício é ele próprio um género alimentício, baseando-nos no paradigma, que, se não é seguro, não é alimento! E, nessa medida, tem que ser retirado do mercado.

TA: A nível europeu, qual a posição de Portugal a nível de segurança alimentar? Há diferenças significativas de uns países para os outros? E a nível mundial?

FV: A nível europeu, as regras de segurança dos alimentos são de aplicação obrigatória em todos os países da União Europeia e estão genericamente harmonizadas. Estas normas de segurança dos alimentos dão-nos a confiança e a liberdade de podermos escolher os alimentos que compramos, comemos e apreciamos de forma segura e saudável todos os dias. Em toda a Europa, a comunidade científica ajuda as autoridades competentes a definir e manter estes padrões, para que todas as escolhas que fazemos em matéria de alimentos sejam apoiadas pela melhor ciência disponível.

 Em Portugal, estamos alinhados com as melhores práticas existentes e não fugimos à regra. Os nossos operadores do sector alimentar aplicam adequadamente as regras existentes e as autoridades competentes nacionais controlam-nos de forma adequada e conforme previsto no Plano Nacional de Controlo Plurianual (PNCP). (perfil do Estado-Membro no âmbito do controlo oficial disponível no site da CE-DG Sante). 

De acordo com os dados que temos e os relatórios que são produzidos anualmente podemos afirmar que temos um nível de segurança muito elevado a nível europeu. Em Portugal, por exemplo, de acordo com os dados obtidos através do PNCA, constatamos que em média, anualmente, cerca de 97% dos alimentos que controlamos para critérios de segurança são considerados como conformes, o que demonstra o elevado nível de segurança dos alimentos que temos no mercado nacional.