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Revista TecnoAlimentar

Riscos e benefícios do consumo de carne vermelha

carne

Por Inês Peralta, Maria Leonor Guimarães, Humberto Rocha e Teresa Letra Mateus

A carne vermelha constitui uma base significativa da alimentação diária e o seu consumo está a crescer globalmente. Os supostos potenciais efeitos adversos para a saúde, consequência do seu consumo, têm vindo a receber uma atenção crescente nas últimas décadas. Se por um lado é uma importante fonte de proteínas (aminoácidos essenciais) e de micronutrientes, por outro, as evidências científicas têm vindo a mostrar que o consumo frequente de carne vermelha, sobretudo processada, pode estar associada a um maior risco de ocorrência de doenças crónicas, entre elas: diabetes mellitus tipo 2, doenças cardiovasculares e oncológicas. Assim, propomo-nos neste artigo fazer uma revisão bibliográfica sobre o impacto do consumo de carne vermelha na saúde humana – quais os riscos mas também os benefícios.

Introdução

A carne vermelha (carne de bovino, caprino, ovino e de porco) é um alimento habitual na dieta mediterrânica, tendo vindo o seu consumo a aumentar ao longo da própria evolução humana (Jiang & Xiong, 2016; McAfee et al., 2010). O padrão alimentar ocidental é classificado por ter um consumo elevado de carne e derivados, baixa ingestão de fruta e vegetais, associada a estilos de vida como tabagismo, consumo de álcool e pouca atividade física. Vários estudos referem que estes hábitos estão associados a um elevado risco de mortalidade (22%), causado por doença cardiovascular (DCV), em comparação com um padrão alimentar equilibrado com predomínio de ingestão de fruta, vegetais, legumes, carne de aves e grãos integrais (McAfee et al., 2010).

Estudos epidemiológicos comprovam que o aumento do consumo de carne vermelha e de carne processada (carne curada, fumada, salsichas, hambúrgueres, salame e enlatados) aumenta o risco de desenvolvimento de doenças crónicas em especial DCV (doença cardíaca coronária, acidente vascular cerebral e enfarte do miocárdio), diabetes mellitus tipo 2 (Wolk, 2016) e de diversos tipos de cancro, em especial cancro do cólon (De Smet & Vossen, 2016; Jiang & Xiong, 2016; McAfee et al., 2010).

Também existem evidências que indicam haver uma associação forte entre o consumo de carne processada e o surgimento de cancro do estômago, assim como cancro do pâncreas e da próstata (De Smet & Vossen, 2016).

Riscos associados ao consumo de carne vermelha

Existem na carne vermelha, sobretudo na processada, constituintes que são responsáveis pelo aumento da incidência de doenças, nomeadamente ácidos gordos saturados e compostos mutagénicos carcinogénicos (citotoxinas) como aminas heterocíclicas (HCAs) e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (PAHs) (Jiang & Xiong, 2016; Kouvari, Tyrovolas, & Panagiotakos, 2016; McAfee et al., 2010), e ainda o ferro, os nitratos e os nitritos (Alisson-Silva, Kawanishi, & Varki, 2016).

No que diz respeito à diabetes mellitus 2, ainda não foi totalmente esclarecido quais são os componentes da carne vermelha que contribuem para o risco de desenvolvimento desta doença, mas pensa-se que os aminoácidos ramificados, os ácidos gordos de cadeia longa, o ferro, os nitratos, os nitritos e a nitrosamina, a fosfatidilcolina e a L-carnitina poderão estar envolvidos no processo (Wolk, 2016).

Já para as DCV, os achados epidemiológicos sugerem que tanto a carne vermelha processada como a não processada podem aumentar o risco de DCV através dos mesmos mecanismos envolvidos na diabetes mellitus tipo 2 (Wolk, 2016).

Em relação às doenças oncológicas, vários mecanismos têm sido propostos para explicar a associação entre o consumo de carne vermelha e o desenvolvimento de diversos tipos de cancro, sobretudo cancro do cólon. Quer alguns constituintes naturais presentes nestes alimentos (ferro, nitratos e nitritos), quer alguns outros formados durante o processamento e a cocção (hidrocarbonatos aromáticos policíclicos, por exemplo) têm sido apontados como responsáveis (Wolk, 2016).

Em outubro de 2015, a agência internacional para a investigação oncológica, International Agency for Research on Cancer (IARC) juntamente com a Organização Mundial de Saúde (OMS) classificaram a carne processada como carcinogénica, grupo I e a carne vermelha foi classificada como possivelmente carcinogénica, grupo 2A.

Esta classificação foi baseada em estudos realizados em humanos e animais que consumiam este tipo de carne e que desenvolveram cancro colo-retal, assim como outros tipos de cancro (De Smet & Vossen, 2016; Jiang & Xiong, 2016).

O facto de a carne processada ser classificada como carcinogénica deve-se ao facto de lhe serem adicionados aditivos, assim como ao processamento em si. A oxidação e deterioração são vistos como principais factores de ignição para os possíveis problemas de saúde causados pelo consumo destes alimentos. Estas reacções ocorrerão devido ao alto teor de sal, de ferro e à abundância relativa de fosfolípidos endógenos (Jiang & Xiong, 2016). O elevado teor calórico da carne aumenta o risco de obesidade o que também é um fator de risco para o surgimento de cancro (Ferguson, 2010).

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Mais recentemente, uma teoria envolve agentes infecciosos presentes na carne de bovinos de leite como sendo potencialmente carcinogénicos, contudo este estudo ainda está a decorrer. Outra teoria recente refere a incorporação de ácido neuramínico nas células dos consumidores de carne vermelha.

Este composto levará a um processo inflamatório que se pensa estar na base de várias patologias inflamatórias como a aterosclerose, diabetes mellitus tipo 2, artrite reumatoide, degeneração macular, algumas formas de infertilidade e ainda contribuir para o desenvolvimento de cancro do cólon (Alisson-Silva et al., 2016).

A carne vermelha processada é sujeita a tratamentos térmicos (temperaturas elevadas), cura, fumeiro, fermentação, salga e adição de conservantes químicos (para prolongar o seu prazo de validade e melhorar as suas propriedades organolépticas), processos que levam à formação de citotoxinas (Ferguson, 2010; Jiang & Xiong, 2016; Kouvari et al., 2016; McAfee et al., 2010).

Estas citotoxinas podem ter origem na formação de radicais livres, contudo, o uso de antioxidantes poderá mitigar estes riscos químicos (Jiang & Xiong, 2016). Para além disso, a carne vermelha processada contém maiores quantidades de sódio do que a não processada (Wolk, 2016). Há evidências de que também existe uma influência genética no metabolismo das HCAs, formados durante o processamento, o que torna alguns indivíduos mais predispostos a desenvolver problemas cancerígenos (McAfee et al., 2010).

Existem recomendações internacionais para que a ingestão de carne vermelha seja inferior a 71g/dia ou 500g por semana e para que a ingestão de carne processada seja evitada ao máximo, para que sejam prevenido o cancro do cólon (Ferguson, 2010; Kouvari et al., 2016). Contudo há estudos que as contradizem, pois, por exemplo, com o declínio da ingestão de carne vermelha no Reino Unido, era esperado que a incidência de cancro do cólon também decrescesse, mas houve um aumento significativo da incidência do mesmo (McAfee et al., 2010).

Muitas vezes os estudos tem resultados contraditórios e são difíceis de comparar, nomeadamente porque há várias diferenças durante a análise: tamanho da amostra, método de avaliação dietética, entre outros. A grande limitação destes estudos deve-se também ao facto das discrepâncias na definição de carne vermelha e carne processada.

No entanto é consensual que há maior risco de surgir cancro do cólon ao ingerir carne processada do que ingerir carne vermelha não processada. Assim, o potencial carcinogénico da carne estará associado ao tipo de carne consumida (vermelha e/ou processada), o processo de confecção, a quantidade consumida e riscos genéticos individuais (McAfee et al., 2010).

Impacto do consumo de carne vermelha na população mais idosa

As opiniões acerca do impacto do consumo deste alimento na população mais idosa (maiores de 65 anos) são um pouco controversas, já que alguns investigadores são da opinião de que se deve consumir de forma muito moderada carne vermelha processada, enquanto outros, defendem que a carne vermelha magra não processada é uma fonte importante de proteína de alta qualidade, sendo esta essencial para gerir a perda de tecido muscular em pessoas com idade avançada (Kouvari et al., 2016).

De acordo com as directrizes da Associação de Cardiologia Americana para uma vida saudável, as necessidades nutricionais estão amplamente dependentes da idade do consumidor. Assim, indivíduos com idades mais avançadas estão mais vulneráveis a desenvolver DCV, cancro e malnutrição (nomeadamente por deficiência em proteína e vitaminas) (Kouvari et al., 2016), o que enfatiza a necessidade do consumo desta carne em idosos.

(Continua).

Nota: Artigo publicado na edição da TecnoAlimentar n.º11.

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