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Revista TecnoAlimentar

Perigos Alimentares no Pescado: os perigos químicos

Artigo Técnico

Consumo de Pescado no Mundo e em Portugal

Em Portugal o consumo de pescado atingiu uma média de 33,5 Kg por pessoa em 2003 [1]. Em 2010, Portugal foi o terceiro maior consumidor mundial de produtos da pesca per capita, com 55,41 Kg/capita/ano (Gráfico 1) [2].

Em 2007, este valor foi de 61,6 Kg/capita, que se destaca relativamente aos restantes países da Europa (Tabela 1) [3].
Considerando o interesse económico e nutricional do pescado, existe a necessidade de garantir a sua segurança sanitária, sendo para o efeito imprescindível conhecer os riscos associados ao seu consumo, e implementar medidas para evitar ou reduzir a presença de perigos nos alimentos. O aumento da demanda, associado à diminuição dos recursos piscatórios, levou a uma extensão das cadeias de distribuição de produtos da pesca. A globalização do mercado nesta área implicou um aumento da distância entre o local de captura e o local de consumo, o que pressupõe cuidados acrescidos com a segurança e higiene [4,5].

Pescado, é um termo utilizado como sinónimo de produtos da pesca, ou “todos os animais ou partes de animais marinhos ou de água doce, incluindo as suas ovas e leitugas, com exclusão dos mamíferos aquáticos, das rãs e dos outros animais aquáticos abrangidos por regulamentação comunitária específica” [6].
Considerando a importância emergente do pescado na alimentação humana e na economia, o objetivo do presente artigo é compilar e sistematizar informação existente acerca dos perigos alimentares no pescado, com especial enfoque, neste número, nos perigos químicos.

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Perigos Alimentares no Pescado

Biotoxinas marinhas

As biotoxinas marinhas são sintetizadas por microalgas ubiquitárias presentes nos oceanos. As mais comuns encontram-se associadas às síndromes Diarrhetic Shellfish Poisoning (DSP), Paralitic Shellfish Poisoning (PSP), Amnesic Shellfish Poisoning (ASP), Neu¬rologic Shellfish Poisoning (NSP), ciguatera, tetrodontoxina (TTX), pirofeofórbido a e palitoxina (PTX) [1,7].

No caso das toxinas DSP, estas acumulam-se nos tecidos adiposos dos produtos da pesca. Ao ingerir pescado contaminado, o Homem pode manifestar náusea, vómitos e diarreia [8,9]. Os quadros de intoxicação por biotoxinas que ocorrem com maior frequência na Europa são DSP e PSP 10. A PSP é a intoxicação de origem marinha mais frequente e a mais mortal, atingindo 6% de taxa de mortalidade mundial. O mexilhão, a ostra, a amêijoa, o lingueirão e a vieira foram descritos como causas frequentes da patologia em humanos (Figura 1) [9,10]. A sintomatologia pode incluir entumecimento dos lábios e da língua, dores de cabeça, náuseas e vómitos. Em casos mais graves, pode levar a disfonia, ataxia, paralisia dos braços e pernas, paragem respiratória e morte [8,9].

O ácido domóico é o responsável pelo quadro de intoxicação amnésica por pescado (ASP), e acumula-se em bivalves, principalmente nas vieiras. A sintomatologia manifestada pode surgir até três dias após ingestão e poderá incluir náuseas, vómitos, diarreia, perda de memória/amnésia temporária ou permanente, coma ou morte [7, 8].

A intoxicação neurológica por pescado (NSP) manifesta-se cerca de três horas após ingestão de bivalves contaminados, ou por inalação de salpicos das ondas do mar em áreas onde se encontre Ptychodiscus brevis. A sintomatologia poderá incluir sensação de suores frios, vómitos e descoordenação motora [8].
A terminologia Ciguatera inclui as ciguatoxinas e as maitotoxinas que se acumulam em maior quantidade nos peixes carnívoros que habitam águas pouco profundas como a moreia, a barracuda, a sardinha do Pacífico, garoupa de S. Tomé, e a tainha [9]. A sintomatologia apresentada pode ser gastrointestinal ou neurológica e pode durar entre horas a semanas. Em casos mais graves pode provocar a morte [1,8].

A tetrodontoxina, ou “veneno fugu”, é característica do fígado, pele e ovários do “peixe balão” (da família Tetradontidae) [1,9,11]. Esta provoca a intoxicação por pescado mais frequentemente letal para o ser humano, cujos efeitos dependem do modo de preparação e da quantidade de toxina [8,9]. Durante o consumo é frequente uma ligeira tumefação dos lábios e boca.

O pirofeofórbido é um derivado da clorofila, que se acumula, principalmente na primavera, nos bivalves da família Haliotidae, também denominados de “orelha do mar”. Este provoca uma reação fotossensibilizante nos indivíduos que a ingerem. Manifesta-se por edema ou vermelhidão na face e mãos, e sensação de picadelas ou prurido generalizada [8,13].
As palitoxinas (PTX), detetadas originalmente no Havai, foram consideradas um problema emergente nas zonas costeiras do sul da Europa. Crê-se que as alterações climáticas e as migrações da fauna marinha propiciem ao aparecimento de casos em áreas diferentes. Estão associadas a ocorrência de sintomas respiratórios no Homem e outros como febre cefaleias, náusea, conjuntivite, vómito e dermatite [7]. As escombrotoxinas, mais frequentemente associadas aos peixes da família Scombridae, como a cavala, o atum e o robalo, podem ocorrer em outros como o arenque, a sardinha e o peixe-espada (Figura 2). Os sintomas podem aparecer em alguns minutos ou horas após ingestão. Podem ocorrer náuseas, vómitos, diarreia, associados a sintomatologia neurológica ou cutânea. As manifestações são semelhantes a reações alérgicas, como eritema na face e pescoço, hipertermia e taquicardia [8,14].
A “intoxicação por azaspirácidos” foi associada ao Norte e costa Oeste da Europa. Foram registados casos de patologia gastrointestinal severa associados à ingestão de bivalves contaminados por AZP provenientes da Irlanda [7,9].

Tintas

As tintas utilizadas no revestimento dos navios de pesca podem libertar substân¬cias na água, que por sua vez irá contami¬nar o pescado. O estanho é um dos exem¬plos destes contaminantes [1]. Podem também ser uma fonte de contaminação ambiental com metais pesados como co¬bre, zinco e chumbo [15].
As tintas antivegetativas ou anti-incros¬tantes utilizadas nos navios e redes de pesca, possuem compostos conhecidos como “organostânicos”, entre os quais a tributiltina (TBT) e a trifeniltina (TPT). Estes retardam o crescimento de microrganismos, evitando a degradação precoce das embarcações. A sua utilização recorrente levou à libertação destas substâncias no meio ambiente, e absorção por invertebrados aquáticos. Pensa-se que no Homem possam funcionar como disruptores da atividade reprodutiva, por aumento da produção de estradiol [16]. A utilização de tintas que incluem estes químicos, foi proibida na União Europeia [17].

Histamina

A histamina é um mediador inflamatório pertencente ao grupo das aminas biogénicas [8]. Forma-se a partir da descarboxilação microbiana da histidina, durante o proces¬so de deterioração de algumas espécies de peixe e moluscos marinhos [1]. Em 2012 foram isoladas nove espécies de bactérias produtoras de histamina em amostras de bacalhau em Taiwan [18,19].
Embora a sua toxicidade seja considera¬da aparentemente baixa para o Homem, a presença de outras aminas biogénicas como a cadaverina, a tiramina e a putrescina atuam como amplificadores. Normalmente a intoxicação surge como um quadro clínico não severo de dermatite, urticária, náusea, vómito, e diarreia. Dependendo da quantidade ingerida podem surgir quadros mais graves: urticária, edema de Quincke, asfixia, asma, rinite, choque anafilático com hipotensão arterial e morte [8,19].

Dioxinas

As dioxinas são emitidas durante os procedimentos de combustão e incineração de resíduos industriais. As principais fontes de contaminação ambiental por estes compostos são: indústria de produção de cloro e papel, incineração, resíduos de centros hospitalares, processamento de metais e lixo doméstico [1,8]. As dioxinas acumulam-se ao longo da cadeia alimentar, atingindo o tecido adiposo, o fígado e o leite materno. Admite-se que o pescado se encontra entre os alimentos responsáveis pela intoxicação por dioxinas. Estas substâncias possuem propriedades carcinogénicas, teratogénicas e podem causar alterações endócrinas [8,20].

Micotoxinas

As micotoxinas são produzidas por fungos dos géneros Aspergillus, Penicilium, Fusarium, Claviceps e Alternaria. Subdividem-se em vá¬rios grupos como: aflatoxinas, ocratoxinas, Pesticidas
Os pesticidas encontram-se presentes nas águas, por derrame ou escape durante a sua produção, o seu transporte, o seu armazenamento ou aplicação nos produtos alimentares com destino ao consumidor [1]. Os organoclorados utilizados como método de controlo de pragas na agricultura, acumulam-se facilmente ao longo das cadeias tró¬ficas, atingindo inevitavelmente o Homem. Estes são compostos com propriedades neurotóxicas, carcinogénicas, teratogénicas, e irritantes oculares e cutâneos [22].
O diclorodifeniltricloroetano (DDT) degrada-se lentamente no meio ambiente e acumula-se facilmente nos tecidos, incluindo os do pescado. Os alimentos produzidos a partir de animais que tenham sido expos¬tos ao DDT, irão transferir esta molécula ao longo da cadeia alimentar [8,22].O He-xaclorociclohexano (HCH), o clordano, o endosulfano e o hexaclorobenzeno (HCB) foram também detetados em amostras de peixe e moluscos recolhidos em Liaoning, China [23].

Bifenilos Policlorados (PCB)

Estes compostos foram utilizados no último século como isolantes em transformadores elétricos, fluídos hidráulicos, plásticos, tintas, lubrificantes e pesticidas, libertando-se e permanecendo no meio ambiente (Figura 4). Os PCB são então resultantes de processos industriais, que se acumulam no tecido adiposo dos peixes [1]. Uma vez ingeridos pelo Homem, acumulam-se no tecido adiposo e leite materno [8]. No Homem, podem ter efeito carcinogénico, provocar alterações hormonais e causar problemas no desenvolvimento neurológico dos fetos [20,24].

Hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAP)

Os HAP, como o benzopireno, são contaminantes ambientais, provenientes dos procedimentos de coção dos alimentos, com propriedades carcinogénicas e mutagénicas [8]. Uma das possíveis fontes deste contaminante para o Homem, é o pescado fumado ou fresco e o polvo (Octopus vulgaris) [25,26].

Metais Pesados

Os metais pesados, como por exemplo o chumbo, o mercúrio, o arsénio [1] e o cádmio, não são biodegradáveis, permanecendo no ambiente durante muito tempo [27]. Comprovou-se a presença de metais pesados como o chumbo, o cobre, o cádmio, o arsénio e o zinco no músculo e glândula digestiva do polvo (Octopus vulgaris) [25], assim como em robalo e sargo do estuário do Douro, embora a acumulação destes compostos seja dependente da qualidade da água e da dieta [28].
A forma mais frequente de exposição ao metilmercúrio (MeHg) é por consumo de pescado [20]. O mercúrio pode estar presente no pescado, uma vez que a sua distribuição no meio ambiente é ubiquitária. Encontra-se em maiores concentrações em peixes predatórios e mamíferos marinhos no topo da cadeia alimentar, como o peixe-espada e o tubarão [8,29]. Os efeitos deletérios associados a este metal ocorrem nos sistemas cardiovascular, nervoso [24] e urinário [8]. O MeHg tem a capacidade de atravessar a placenta humana, e provocar danos no sistema nervo¬so do feto, podendo ter como consequências como a diminuição das capacidades cognitivas das crianças [20,29]. A relação deste metal com casos de aborto no Homem não se encontra clarificado [30].

Relativamente ao cádmio, quando atinge níveis tóxicos no organismo humano, pode ser responsável por uma nefropatia túbulo-intersticial. O chumbo provoca hematotoxicidade, neurotoxicidade, e hipertensão arterial. O cobre foi utilizado na agricultura biológica em alguns países, como um com¬posto na formulação de pesticidas, dadas as suas propriedades fungicidas, bactericidas e herbicidas. A intoxicação por cobre pode manifestar-se por vómitos e diarreias. A intoxicação por arsénio caracteriza-se por um quadro gastrointestinal agudo semelhante à cólera podendo ainda causar problemas dermatológicos [8,31].

Resíduos farmacológicos

Os resíduos farmacológicos são considerados “preocupações emergentes” na contaminação do pescado. As descargas hospitalares nas redes urbanas de água contribuem para a contaminação do meio aquático a jusante (Figura 5). Por sua vez, através dos seres que aqui habitam estes resíduos são introduzidos na cadeia alimentar e sofrem bioacumulação podendo atingir níveis tóxicos para o Homem [24,32].
Para além do risco apresentado pela toxicidade, a presença de, por exemplo, antibióticos no meio ambiente pode contribuir para a criação de resistências microbianas, fazendo com que o seu uso no tratamento de infeções seja muitas das vezes ineficaz [10,33]. Substâncias como o mitotano, os anestésicos e os anti-inflamatórios não esteróides podem também ser encontradas no pescado [32,34].

Toxinas de origem bacteriana

No pescado podem estar presentes uma grande variedade de bactérias produtoras de toxinas. A sintomatologia decorrente destas toxinfeções no Homem varia consoante os microrganismos e toxinas implicadas. As bactérias produtoras destas toxinas serão descritas no próximo artigo onde descreveremos os perigos biológicos e físicos do pescado.

Considerações Finais

As toxinfeções alimentares com origem em perigos químicos do pescado que ocorrem com maior frequência encontram-se ligadas às biotoxinas marinhas, nomeadamente devido à ingestão de moluscos bivalves, e ainda outros produtos da pesca crus ou mal cozinhados. Com a atual globalização do mercado piscatório, torna-se relevante a necessidade de considerar a variedade de contaminantes que possam encontrar-se presentes nas diferentes espécies de pesca¬do importado e exportado. Embora exista uma forte componente ambiental aliada aos perigos químicos do pescado, estes podem ser introduzidos durante os processos de conservação e preparação do pescado para o consumo humano.
É necessário investir na disseminação de informação direcionada ao consumidor acerca deste tema em geral e da confeção doméstica em particular, com especial relevância para os grupos populacionais de risco.

Por: Ana Rita Cruz 1*, Teresa Letra Mateus 1,2, Humberto Rocha 1

1 Departamento de Medicina Veterinária, Escola Universitária Vasco da Gama, Av. José R. Sousa Fernandes, Campus Universitário - Bloco B, Lordemão, 3020-210 Coimbra;

* mv.anacruz@gmail.com

2 Escola Superior Agrária de Ponte de Lima, Instituto Politécnico de Viana do Castelo

In TecnoAlimentar nº 3.