Nutri-Score: Uma ferramenta de saúde pública
Na Europa a discussão instalou-se e há uma petição promovida por várias associações de defesa do consumidor para a introdução do Nutri-Score. Um sistema de rotulagem que, com base num algoritmo analisa os nutrientes de um alimento, classificando-os com um sistema de letras de A a E e cores. França e Bélgica são dois dos países europeus que já adotaram este sistema de rotulagem.
Uma má dieta alimentar pode resultar em perda de anos de vida saudáveis junto a 15,8% dos portugueses. Metade da população portuguesa sofre de problemas de obesidade e doenças crónicas, associados a hábitos alimentares que poderiam ser evitados, segundo os dados do Global Burden Disease.
A tudo isto junta-se a dificuldade dos portugueses em interpretar a informação contida nos rótulos dos produtos alimentares que compram no supermercado: 40% não consegue perceber que nutrientes contêm. O valor sobe para mais de 60% no caso de indivíduos com baixos níveis académicos e económicos.
Cadeias de retalho alimentar como a Auchan, fabricantes como a Nestlé, PepsiCo ou Danone estão a introduzir este sistema de rotulagem que Serge Hercberg, investigador e pai do Nutri-Score, diz que está a ajudar a se produzir produzir mais saudáveis.
Sobre o Nutri-Score em Portugal, Serge Hercberg, investigador e criador do sistema, afirma, em entrevista ao Dinheiro Vivo, que «a Deco Proteste tomou uma posição muito clara e a nível europeu, o Bureau de Consummer Association fez uma declaração no sentido de um sistema harmonizado de rotulagem e de que deveria ser o Nutri-Score. O que também é interessante é que muitos fabricantes e retalhistas, inicialmente contra o Nutri-Score, decidiram responder à pressão social e incluir este sistema de rotulagem nos seus produtos».
E como funciona este sistema? «O sistema é transparente», começa por explicar. «Para calcular, pegamos nos diferentes nutrientes que estão no rótulo nas costas da embalagem do produto, e o algoritmo, que faz o calculo, é público. Está no website, é aberto, qualquer pessoa pode controlar. O fabricante usa esses dados e o algoritmo e com isso define a cor e a letra. É monitorizado pela nossa organização – o ministro da Economia em França tem um departamento para isso -, mas os consumidores estão muito atentos, podem controlar de forma fácil se há um erro. Houve há uns tempos um erro com um sumo, a empresa era pequena e fez um erro, horas depois recebemos dos consumidores alertas de que não era possível aquela classificação. O Nutri-Score é uma marca da Agência Francesa de Saúde Pública e os fabricantes que querem aderir têm de registar e dar todos os dados, que usam nos rótulos, é fácil controlar. Temos a possibilidade de controlar mas estamos confiantes da capacidade dos consumidores nos informarem quando há um problema, um erro».
Relativamente à dificuldade dos países europeus a adotar um sistema, o investigador não entende. «As coisas agora são diferentes, porque temos mais argumentos para sustentar a introdução do Nutri-Score, suficientemente convincentes para muitos países, como foi o caso da Alemanha», explica. «Espero que em Portugal se considere todos estes argumentos. Podemos sempre pedir mais estudos, mas é tempo de tomar uma decisão. Há um grande desenvolvimento da obesidade, das doenças cardiovasculares, do cancro. Há necessidade de tomarmos decisões rápidas, não podemos esperar».
Sobre a adoção do sistema em França, que já conta com quatro anos, Serge Hercberg conta que «um estudo feito em 60 supermercados em França mostrou que há uma modificação da qualidade nutricional do cesto».
«Quando usamos o Nutri-Score não dizemos para as pessoas não comerem um determinado produto, pode, numa dieta equilibrada, usar esses produtos, mas está alertado que deve come-los em pequenas doses ou com menos frequência. Visa tornar os consumidores conscientes de que alguns produtos são melhores do pronto de vista nutricional do que outros. Mas não dizemos ‘não coma D e E e apenas A ou B’. Pode comer chocolates, comida processada ou refrigerantes, mas em pequenas doses e não com muita frequência», defende.
O azeite, que na dieta mediterrânica é considerado uma gordura saudável, no Nutri-Score não tem uma avaliação tão positiva. Na Holanda, o Governo chamou atenção para isso. «Esse é um assunto importante», realça. «Em França, a nossa recomendação é de dar preferência ao azeite. O Nutri-Score do azeite é C, é a melhor avaliação para uma gordura, os outros óleos têm classificação de D ou E».
O investigador acredita que o sistema inovador pode forçar os fornecedores a produzir produtos mais saudáveis. «Há um objetivo real do Nutri-Score é informar o consumidor, para impulsionar o fabricante a melhorar a qualidade dos seus produtos, a sua composição, e ter a oportunidade de demonstrar na escala que melhoraram. E o que assistimos em França é que muitos dos fabricantes e retalhistas que adotaram a Nutri-Score começaram a melhorar as receitas. Por exemplo, o Intermarché, o maior retalhista em França, anunciou em setembro passado que vão melhorar 900 receitas de pratos e refeições, para as orientar para o A, B e C e retirar também aditivos. Este ponto é particularmente importante, e parece estar a correr bem», realça.
Algumas grandes empresas não aceitaram o sistema. «A Coca-Cola, a Ferrero, a Mars, a Mondelez, a Unilever não aceitam o Nutri-Score, esperemos que mudem de ideias. Nos Governos vemos que muitos têm adotado, há discussões em diferentes países, na Áustria, Eslovénia… Espero que adotem, não porque teria prazer em que fosse adotado um sistema criado em França, mas porque sabemos que é um sistema eficiente», conta.
Em relação a Portugal, tendo por base estudos realizados, o Nutri-Score poderia ser uma aposta positiva. «Fizemos um estudo com a mesma metodologia em 18 países, comparando diferentes sistemas de rotulagem que estão à frente das embalagens – semáforo, Nutri-Score, GDA (Guideline Daily Amount)… – e nos últimos seis incluímos Portugal. Temos alguns resultados preliminares: a performance do NutriScore era mais elevada junto dos consumidores portugueses».
A posição do governo português
Recentemente, o Secretário de Estado da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, Nuno Russo, afirmou que «os futuros consumidores vão desejar ter acesso a dados que lhes permitam fazer escolhas mais informadas do ponto de vista nutricional, mas também ambiental, entre outros. Informação, essa, que também permitirá valorizar o que produzimos, a sua genuinidade, e, consequentemente, as pessoas, as suas competências e os territórios que as rodeiam», defendeu Nuno Russo, acrescentando que, «enquanto bens económicos, os géneros alimentícios estão no centro das políticas públicas europeias relativas à produção e disponibilização desses bens. No espaço económico em que nos inserimos, as políticas em matéria alimentar, designadamente no que toca à informação disponibilizada, são harmonizadas através de regulamentação extensa, vasta e que é comum a toda a União Europeia».
O Secretário de Estado destacou ainda que «uma das grandes preocupações, que tem sido manifestada pela área governativa, prende-se com a eventual discriminação de determinados alimentos em detrimento de outros. A alteração de perfis nutricionais de produtos, para adaptação a um esquema fixo de rotulagem voluntário, poderá ser fácil para alimentos correntes, sendo muito pouco desejável que ocorra para produtos tradicionais ou produtos com valorização de qualidade reconhecida».
Nuno Russo, Secretário de Estado da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, concluiu a sua intervenção apelando à «harmonização das regras», refletindo, «por um lado, a perceção, pelo consumidor, sobre determinados nutrientes específicos e, por outro, a avaliação do alimento como um todo, integrando, ainda, um regime alimentar em linha com a estratégia para a promoção de uma alimentação e dieta saudáveis, respeitando, no entanto, os produtos tradicionais que fazem parte da identidade nacional».