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Revista TecnoAlimentar

Investigadores defendem que padrões alimentares dos portugueses são insustentáveis

A alimentação pesa 30% na pegada ecológica dos portugueses, mais do que os transportes ou o consumo de energia. A percentagem faz de Portugal o país mediterrânico com a maior pegada alimentar per capita. A conclusão é de um estudo da Universidade de Aveiro (UA) que deixa o alerta para uma balança muito desequilibrada: Portugal importa 73% dos alimentos e só o peixe e a carne ocupam cerca de metade do peso da pegada alimentar nacional.

Investigadores

A pegada ecológica nacional, por habitante, é superior à biocapacidade do país ou do próprio planeta, o que siginifica que se todas as pessoas no mundo consumissem como os portugueses, precisaríamos de 2,3 planetas Terra. 29% dessa pegada diz respeito à alimentação, 20% aos transportes e 10% à habitação.

«A pegada alimentar avalia em hectares globais (gha) a quantidade de recursos naturais que necessitamos para produzir o que comemos num ano. Sabendo que o país tem anualmente um ‘orçamento natural’ de 1,28 gha por habitante [valor de 2016], percebemos que só para nos alimentarmos ‘gastamos’ 1,08gha, ou seja, 84% desse orçamento», aponta Sara Moreno Pires, professora do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território da UA.

Se dependêssemos exclusivamente da biocapacidade de Portugal para nos alimentarmos, refere a coautora do estudo, «ficaríamos com um saldo de 0,20 gha para todas as restantes atividades de consumo [transporte, habitação, energia, vestuário, entre outros], se não quiséssemos ter défice ecológico».

Mas grande parte da biocapacidade necessária para a nossa alimentação provém de outros países, como Espanha, França, Ucrânia ou mesmo China Senegal, o que implica uma pressão e uma dependência desses ecossistemas. «Portugal é, por esses motivos, o pior país de 15 países do Mediterrâneo no que diz respeito à Pegada Alimentar», alerta Sara Moreno Pires.

Publicado recentemente na reconhecida revista científica internacional Science of the Total Environment, o estudo intitulado “Transição alimentar sustentável em Portugal: uma avaliação da pegada das escolhas alimentares e das lacunas nas políticas de alimentação nacionais e locais”, assinado por investigadores da UA e da Global Footprint Network, apresenta conclusões relevantes sobre a insustentabilidade dos padrões alimentares dos portugueses e a ainda frágil estrutura de políticas públicas para inverter esta tendência. Para além de Sara Moreno Pires, também pela UA Armando Alves e Filipe Teles assinam o trabalho.

Peixe nosso de cada dia

Portugal é o terceiro maior consumidor de pescado do mundo, com cerca de 61,7 quilos consumidos por pessoa em 2017 e 60% da biocapacidade para produzir esse pescado vem de outros países, sendo Espanha um dos parceiros comerciais mais evidente. A elevada intensidade da Pegada Ecológica de peixes como o atum, espadarte e bacalhau (não considerando a Pegada associada ao seu transporte) são outra evidência, que aliados à sua força cultural na alimentação portuguesa, salientam ainda mais o impacto elevado do consumo de peixe na Pegada Alimentar.

Além disso, o estudo identifica uma dependência da biocapacidade de países estrangeiros (como a Espanha, França, Brasil, ou mesmo a China) para produzir recursos alimentares, de modo a satisfazer a procura dos portugueses, sendo as categorias mais dependentes as de «pão e cereais» (em que se importa quase 90% dos hectares globais necessários à sua produção), «açúcar, mel, doces, chocolate, entre outros» (com um importação na ordem dos 80%) ou “gorduras alimentares” (com cerca de 73%).

Para além da esperada relação comercial com Países Europeus, o estudo aponta uma dependência de países como Uruguai (na carne), África Ocidental e Senegal (no peixe), EUA (no leite e produtos lácteos), Argentina, Canadá e Brasil (nas gorduras alimentares ou frutos), ou China (nos frutos e nos vegetais).

Políticas locais imprescindíveis

«Urge mudar hábitos alimentares e ter tolerância zero quanto ao desperdício», sublinha Sara Moreno Pires garantindo que «o papel das políticas públicas é igualmente crítico para promover sistemas alimentares mais sustentáveis, desde a produção agrícola, ao processamento, à distribuição, ao consumo ou ao reaproveitamento dos alimentos, e para envolver todos nesta mudança».

Dada a relevância de se estruturar e apoiar a governação das cidades em torno de sistemas alimentares mais sustentáveis, por estas desempenharem um papel fundamental na promoção de padrões alimentares resilientes e economicamente prósperos, pela sua proximidade e interação com diversos atores, este estudo identifica um conjunto de pontos fortes e fracos nas políticas de alimentação em seis cidades portuguesas:  Almada, Bragança, Castelo Branco, Guimarães, Lagoa e Vila Nova de Gaia.

Como importantes contributos dos municípios, o estudo destaca a sensibilização da população para a Pegada Ecológica da alimentação através de Calculadoras Municipais da Pegada Ecológica disponíveis nos websites destas Câmaras Municipais, a promoção de hortas urbanas, hortas sociais e hortas pedagógicas, ou iniciativas inovadoras como o Banco de Terra em Guimarães, através da sua Incubadora de Base Rural, ou a investigação agroalimentar, promovida pelo Município de Castelo Branco em parceria com o CATAA – Centro de Apoio Tecnológico Agroalimentar.

O Município de Vila Nova de Gaia destaca-se por inúmeras ações importantes, desde a divulgação de infografias de sustentabilidade alimentar na plataforma de educação a todos os encarregados de educação, a ações de avaliação do desperdício alimentar nas escolas ou cadernos de encargos para o fornecimento de refeições escolares promotoras da sustentabilidade alimentar. Este município é ainda signatário do Pacto de Milão sobre Política de Alimentação Urbana, um importante compromisso político assumido por muitos autarcas do mundo inteiro em 2015, para o desenvolvimento de sistemas alimentares baseados nos princípios da sustentabilidade e da justiça social.

Das principais fragilidades identificadas pelos investigadores, a falta de recursos humanos adequados e com conhecimento especializado para trabalharem estas temáticas (com grupos multidisciplinares de profissionais qualificados, de nutricionistas a engenheiros florestais e agrícolas) ou de estruturas municipais para a promoção integrada de uma política de alimentação, são alguns dos fatores mais críticos.

Destacam-se ainda o frágil suporte a circuitos agroalimentares curtos, que aproximem os produtores dos consumidores e a produção alimentar periurbana às cidades; a falta de regulamentação que promova compras públicas sustentáveis e a redução do desperdício alimentar; a ainda frágil colaboração entre as autarquias e diferentes setores (produtores, escolas profissionais, terceiro setor, empresas), bem como a falta de um compromisso político forte orientado para políticas alimentares locais. A falta de estratégias alimentares municipais ou de políticas integradas dedicadas à alimentação saudável e sustentável é disso um exemplo.

O estudo mostra que é necessário e urgente investir em mais informação (que identifique e avalie os impactos das iniciativas locais), mais recursos humanos, bem como na capacidade dos governos locais para promoverem sistemas alimentares equitativos, resilientes e sustentáveis.

A coordenação entre atores e políticas, sobretudo a nível intermunicipal, ou mesmo nacional (nomeadamente com o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) é um passo necessário, bem como a sensibilização de todos os intervenientes na cadeia alimentar (da produção, ao processamento, distribuição, consumo e resíduos) para a mudança de comportamentos, de forma permitir um olhar renovado sobre como os sistemas alimentares se podem tornar mais sustentáveis em Portugal.