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Revista TecnoAlimentar

Inovar em Produtos Minimamente Processados

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Estamos numa era de grande procura por alimentos frescos e minimamente processados, com grande foco nas frutas e hortaliças como fontes ricas em nutrientes valiosos. Um recente estudo publicado pela Royal DSM, multinacional que baseia a sua atividade na investigação científica com aplicações nas áreas da saúde, alimentação e matérias, citado pelo ITF (Institute of Food Technologists), demonstra que 55% dos consumidores urbanos a nível mundial afirma que para um alimento ser considerado “delicioso”, é preciso saber a fresco ou a natural, sendo este o critério mais importante.

NUTRIENTES NATURAIS PROCURAM-SE!

Por outro lado, nos alimentos processados, a indústria alimentar já está a ser desafiada de forma notável para estabelecer soluções com ingredientes que reduzam açúcar, sal e matéria gorda sem alterar a experiência degustativa (sabor e textura).

É de acrescentar que a evolução tecnológica das soluções na redução do açúcar ainda não está a atingir um nível satisfatório de desenvolvimento, estando pouco disponíveis e por um custo pouco competitivo (Steve Osborn, Food Ingredients, jun 13).

Citando a revista Science, as gorduras alimentares e nitratos têm um forte efeito mutagénico. Para neutralizar esse efeito, são muito úteis as vitaminas E e C (J. H. Weisburger, R. C. Jones, 1990) que se encontram nas partes verdes das plantas. Deste modo, o equilíbrio no consumo entre a alimentação muito processada, por um lado, e alimentação fresca e minimamente processada, por outro, é fundamental para a saúde e bem-estar do consumidor.

Em relação ao sal (sódio), as hortaliças são uma fonte rica em sais minerais e podem, em boa parte, substituir o sal adicionado (NaCl) na preparação das refeições.

O tomilho, por exemplo, até é capaz de dar sabor “a sal” aos alimentos devido aos seus sais alcalinos. Um estudo referente ao queijo demonstra que apenas 5-20% do sal adicional é sentido nos recetores do olfato da boca, sendo o resto considerado um desperdício quanto à sua perceção (Steve Osborn, Food Ingredients, Apr/May 13).

E agora, como é que estes assuntos se traduzem em propostas sustentáveis de negócio?

Hortícolas frescas

A maior parte da produção hortofrutícola nos países desenvolvidos, sobretudo na Europa, realiza-se através do formato convencional que inclui produções certificadas em Eurogap, BRC e Nature Choice, e outras que regem princípios da Produção Integrada, Proteção Integrada, Produção Biológica e, especificamente em França, da Agriculture Resonée.

Independentemente das normas e conceitos da produção implementados no setor primário, desde que sejam respeitados os períodos de carência (período da desintegração dos fitofármacos), o período pós-colheita deve garantir que os produtos hortícolas (frutas e ortaliças) são preservados eficazmente, isto é, mantidos livres da contaminação química e biológica (fúngica e de outros patogénicos), com conservação das suas melhores caraterísticas de qualidade.

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De facto (F. Lidon, M.M. Silvestre, 2008), no caso de hortaliças destinadas ao consumo in natura, as suas qualidades não podem ser melhoradas, mas somente preservadas durante algum tempo. Contudo, a preservação da qualidade – assim como o incremento do período de conservação – de frutas e hortaliças também está largamente associada ao comportamento da fisiologia pós-colheita, isto é, as células dos produtos hortícolas, que continuam vivas após a colheita, produzindo/consumindo energia durante algum tempo. Neste contexto, os processos respiratórios definem o tipo/intensidade dos principais processos fisiológicos pós-colheita, determinando a respetiva longevidade, porque promovem modificações profundas nos padrões de proteínas, glícidos, lípidos, ácidos orgânicos, vitaminas, minerais, entre outros. Essas modificações estão relacionadas com atividades oxidativas e fermentativas.

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Usualmente, a conservação de legumes e frutas requer baixas temperaturas (a vida de prateleira das hortaliças tende a aumentar 20-30% para cada grau de redução na temperatura), humidades relativas elevadas e uma minimização de impactos e outros danos mecânicos. Existem, contudo, produtos sensíveis ao frio (ideal 12-15ºC, ex. pepino, batata-doce, frutos tropicais), medianamente sensíveis (ideal 7-10ºC, ex. melancia, melão), e não sensíveis (entre 1-7ºC, ex. alface, brócolos, couve, repolho, beterraba, cenoura, alho, cebola).

Quanto à humidade, frutos e hortaliças exigem ambientes com humidade relativa superior a 90%, exceto o caso da cebola, alho e batata que devem ser armazenados sob humidade relativa um pouco inferior (entre 70 e 90%).

A conservação em atmosfera modificada é um dos métodos de conservação no qual o meio atmosférico que usualmente possui, em média, cerca de 78% de azoto, 21% de oxigénio e 1% de dióxido de carbono e outros gases, é alterado para CO2 entre 1 e 10%, 2-5% de O2 e 95-97% de N2 (com temperaturas oscilando entre 5 e 10ºC e uma humidade relativa de 90-95%), em função do limite de tolerância específico do produto em causa, que varia também de acordo com as condições de cultivo, estado de maturação à colheita e condições durante o armazenamento.

O conhecimento dos processos de senescência dos tecidos possibilita uma definição dos tempos de armazenamento, permitindo a organização do manuseamento e a comercialização e o fornecimento de um produto da boa qualidade, com consequente estabilização de preços.

Não há dados disponíveis em Portugal de uma estrutura de preço do produto fresco na prateleira, no entanto, um estudo da DFA (EUA) revela que o excedente (% PVP pós-colheita) varia entre 30 e 80% em função do produto e da sua disponibilidade.

Os frescos são os produtos mais vendidos nas cadeias de retalho moderno em Portugal e registaram a maior subida de quota de mercado na categoria alimentar, em 2012. Segundo o relatório da APED (Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição), a liderança das vendas cabe aos frescos (31,4%), seguidos das mercearias (21,2%), produtos lácteos (11,9), bebidas (6,8%), e Congelados e Charcutarias, ambos com 6,4% das vendas. O relatório ainda foca que o consumidor português mudou de hábitos alimentares, e que se acentua o fenómeno da transferência do consumo alimentar de fora para dentro do lar. “Não só os portugueses continuam a consumir em casa, como dentro de casa dão preferência a produtos não transformados, que possam confecionar. Por outro lado, também adquirem alguns produtos mais caros, uma forma de se mimar”, sublinhou Ana Trigo Morais, diretora-geral da APED, para a revista Green (edição Portugal).

Produtos minimamente processados de origem vegetal

Desde o tomate inteiro higienizado à fruta cortada, já são largos anos de diferentes variedades de alface cortada em pedaços, de rúcula, agrião, saladas aromáticas e mescla pré-embalados, prontos a consumir (conhecidos como IV gama) e comercializados, presentes nas prateleiras dos nossos supermercados. Recordamos a salada de fruta pré-embalada, concretização de uma investigação de um grupo de engenheiros do ISA (Instituto Superior de Agronomia de Lisboa) que acabou por estar na base da criação da Consulai (empresa portuguesa de consultadoria no setor agroalimentar com forte vocação em projetos de investigação). Hoje em dia, para o setor HoReCa, já existe salada de fruta imersa em sumo natural de laranja, com elevado poder antioxidante, produzida na 2BeFresh, do Grupo Frustock S.A.. Sumo esse também produzido na mesma unidade fabril, através do espremer mecânico e conservação realizada apenas pelo arrefecimento rápido com homogeneização e refrigeração, sendo este um produto de curta duração (3 dias).

Uma vez determinada a variedade adequada para processamento mínimo da fruta em função da textura, do estado da maturação ótimo e cor na fruta inteira, seguem-se as etapas do processo: escolha, lavagem e desinfeção, descasque, corte e embalamento.

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A conservação de frutas e legumes deve ser sempre precedida de uma higienização do produto. Os processos de lavagem em água limpa e higienização são etapas importantes para redução do número de microrganismos no produto final. Ainda é usada uma solução de cloro para a desinfeção da superfície de hortaliças, por meio da adição de hipoclorito de sódio (NaOCl) (50 a 200 µL/L, durante 30 minutos) (F. Lidon, M.M. Silvestre 2008).

A vida útil dos produtos de IV Gama pode ser aumentada através de tecnologias como ultra-sons, tratamento com antioxidantes naturais, embalagem em atmosfera modificada ativa, entre outros (S. Delgado, M. Peréz, D.B. Gil, Revista Green, 2013).

Na vanguarda da utilização da tecnologia de hiperpressão conhecida como estabilização a frio (HPP – High Pressure Processing) encontra-se um excelente exemplo na Cooperativa Portuguesa Frubaça CRL, de Alcobaça, que no seu portefólio de produtos processados, tem sumos e purés de fruta produzidos através deste método de conservação, que submete produtos acabados e embalados a uma pressão muito alta de 6000 bars (60 toneladas por cm2), conferindo ao produto uma vida útil (shelf life) de 45 dias, sem pasteurização e sem adição de conservantes. Junta-se “um efeito claro e evidente de uma comunicação estratégica cuidada e pensada de forma integrada”, citando a agência de marketing Bloo, autora do conceito da imagem da marca Copa, que privilegia, além da grande distribuição, o mercado escolar e o contacto direto com o consumidor com nove pequenos estabelecimentos de venda direta ao público.

É de referir que o grupo Luis Vicente investiu, recentemente, cerca de 2 milhões de Euros na Nuvi Fruits (Turcifal, Torres Vedras), no setor da fruta fresca cortada de IV gama. Além da fruta fresca cortada, minimamente processada, a unidade produz ainda sobremesas de fruta, que vão desde as mais simples, às enriquecidas com adição de vitaminas, minerais e simbióticos. A unidade industrial tem ainda capacidade instalada para produzir sobremesas de fruta com chocolate, com pudim, com gelatina e também as chamadas sopas de fruta com base láctea. Prevê-se ainda mais um investimento para o 2º trimestre de 2014, no valor de 3 milhões de Euros em fruta desidratada 100% crocante, denominada Frubis. (Frutas e Legumes, nº janeiro/fevereiro 2014).

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Frutos secos

Em Portugal, o consumo de frutos secos é mais acentuado nas datas festivas, e tem um importante valor gastronómico, sendo utilizados na dieta mediterrânica, sendo muito apreciados e usados como importantes ingredientes de pratos e doces regionais. O seu peculiar sabor e aroma conferem aos pratos confecionados paladares mais fortes e mais realçados, diferentes texturas que podem também contribuir para um toque final na cor. O consumo médio em Portugal de frutos secos ronda os 4kg/ano (Ordem dos Engenheiros, 2013), sendo o fruto seco dominante, a castanha com uma produção de 20.000 toneladas por ano.

Em 2013, a agência noticiosa britânica BBC publicou os resultados de um estudo indicando que as pessoas que consomem regularmente oleaginosas como nozes, amêndoas e avelãs, têm tendência a viver mais.

O estudo (que acompanhou 120 mil pessoas ao longo de 30 anos), divulgado na publicação científica New England Journal of Medicine, indica que os mais beneficiados são aqueles que consomem uma porção diariamente – nesses casos, os analisados tiveram uma queda de 20% na taxa de mortalidade durante o período de 30 anos de pesquisa, em comparação com outras pessoas que não consumiram frutos secos.

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Produtos secos

Por outro lado, os frutos secos são frutos carnudos que foram sujeitos a um processo de desidratação, natural ou mecânico. A secagem é um dos mais antigos métodos de conservação de frutas e legumes. Desde os primeiros processos de secagem controlada, mencionados no século XVIII até aos dias de hoje, a tecnologia de secagem esteve sempre em desenvolvimento. O controlo da humidade dos alimentos consiste na remoção de água do produto, o que promove a redução da atividade de água e a consequente redução das taxas de alterações microbiológicas, com redução das alterações químicas, e com a vantagem “colateral” na redução substantiva de custos com embalagem, armazenamento, transporte e distribuição.

O teor de água, que nas frutas e legumes frescos varia entre 80% e 90%, é assim reduzido em frutas para 20-30% e em legumes para 8-12% (G. Niketic-Aleksic, 1994), até 5% em cogumelos e para 10-15% em plantas aromáticas e medicinais.

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Tecnologia utilizada                             

Os métodos usados na secagem de frutas e legumes são: secagem natural pelo sol, secagem com ar aquecido (convecção), por pulverização em ar quente (spray-drying), por contacto com uma superfície quente, sublimação e secagem em espuma.

A secagem com ar aquecido (F. Lidon, M.M. Silvestre 2008) efetua-se à pressão normal, decorre da eliminação ou fixação (por solutos) da humidade e visa uma estabilização dos alimentos. Este sistema requer temperaturas (que oscilam em função do alimento e do processo da secagem) e humidades relativas que variam em função do tipo e estado de desidratação do alimento (requerendo paralelamente sistemas de ventilação, com aferição da velocidade do ar). Neste processo, a humidade retirada aos alimentos sob a forma de vapor é evacuada pela corrente de ar. A humidade relativa do ar é um fator relevante porque afeta a capacidade do ar para se carregar de vapor, determinando o grau de atividade da água do produto final e ainda a velocidade com que o ar carregado de humidade é evacuado.

A escolha do regime da temperatura da secagem é um tema essencial do ponto de vista da qualidade do produto, do custo da produção devendo ter em consideração questões de sustentabilidade ambiental. Por outro lado, dados disponíveis na literatura e aqueles verificados na prática estão por vezes longe de coincidir, confirmando-se a necessidade de continuidade na pesquisa dos novos resultados.

Soares e al. (2007) investigou a influência de 4 temperaturas de secagem por convecção (40, 50, 60 e 70°C), em camadas baixas com 2 velocidades de ar (0.9 e 1.9 m/s) nos óleos essenciais do Manjericão–de-folha-larga (O. basilicum L). O mais alto teor de óleos essenciais foi obtido à temperatura de 40ºC, com velocidade do ar de 1.9m/s.

Contudo, podemos afirmar que o regime da temperatura de 40ºC e 50ºC será mais adequado para as plantas aromáticas, 50 e 60ºC para as plantas medicinais, frutas cortadas, legumes e cogumelos.

 

Secagem Sustentável e qualidade premium

A inovação nos produtos secos passa atualmente pelas novas texturas (ex. framboesa crocante em formato snack), pela qualidade premium dos produtos (secar matéria prima com melhor qualidade e em regimes que favorecem melhor preservação da cor, sabor e da composição nutritiva) e com embalagem cada vez mais atrativa e mais apelativa.

Não deixa de ser notável o uso cada vez maior de plantas medicinais pelo consumidor geral e, sobretudo, pela indústria da medicina herbal, que oferece novas oportunidades a agricultores, como plantar ervas organicamente. As plantas são uma ótima fonte de nutrientes convencionais, tais como vitaminas, minerais e hidratos de carbono. Também contém uma vasta gama de componentes bioativos – químicos orgânicos chamados fitoquímicos (“fito” significa planta) com ação antioxidante, entre outras. Os fitoquímicos determinam a cor e sabor de uma planta (Lynden Costain, 2001).

Um dos desafios no caso particular das plantas é no período que decorre entre a colheita e a secagem e que deve ser muito curto, o que obriga o produtor a ter uma adequada capacidade de resposta, que possa passar pelo próprio equipamento de secagem.

 

O investimento em equipamento de secagem deve ter em conta além da sua funcionalidade adequada, o seu consumo energético eficiente durante a sua utilização.

O consumo da energia para aquecer o ar torna-se o ponto central na viabilidade económica de cada projeto que envolve o processo de secagem. Utilização das energias alternativas e/ou a sua combinação torna-se indispensável.

O Instituto de Investigação Cientifica Tropical (IICT) no âmbito de um projeto de investigação financiado com fundos do ProDeR, e na sequência de uma tese de mestrado em curso, e com a colaboração do Instituto Superior de Agronomia (ISA) e das empresas do setor privado Samogreen, Consulai, e de responsabilidade civil, a Cercica, desenvolveram um secador híbrido que, através de uma unidade de tratamento de ar com aquecimento efetuado pela bomba de calor e ventilação forçada, recupera cerca de 70% do calor produzido, reduzindo significativamente os custos do consumo da energia, com um custo do investimento inicial ainda mais baixo, na ordem de 10 a 20%.

A poupança assim obtida no investimento inicial e no consumo da energia reforça o valor acrescentado que o processo da secagem oferece aos produtos secos, promovendo uma gestão económica e ambiental sustentável, com perspetivas de crescimento equilibrado.

Transferir expectativas do consumidor para a indústria alimentar requer um sentido refinado por parte do produtor, que se estende desde a cuidadosa seleção das matérias primas e dos processos de preservação e transformação até ao produto final: saboroso e o mais natural possível.

Por: Dejan Bogosavljevic, Food Technologist, in TecnoAlimentar nº 1

 

Bibliografia:

H. Weisburger, R. C. Jones, 1990- Antimutagenesis and Anticarcinogenesis Mechanisms II Basic Life Sciences

Steve Osborn, Food Ingerdients – Food Product Development – June 2013 and April/May 2013

  1. Lidon, M.M. Silvestre 2008 – Conservação de Alimentos, Escolar Editora

Gordana Niketic – Aleksic, 1994 – Tehnologija Voca i Povrca, Poljoprivredni Fakultet, Beograd-Zemun

Lynden Costein, 2001 – Alimentos Vegetais, Civilização Editora

Links consultados (Março – Maio 2014):

ITF – http://www.ift.org/food-technology/daily-news/2013/september/18/consumers-demand-natural-fresh-food.aspx

FAO – http://www.fao.org/docrep/008/a0185e/a0185e04.htm

BBC –http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/11/131121_nozes_prolonga_vida_an.shtml

INE – http://www.ine.pt/xportal/